quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

ESCUTAR A VIDA



Caríssimas e caríssimos, 

neste tempo em que a palavra Paz foi, certamente, a mais pronunciada, quer em discursos oficiais dos responsáveis pela governação dos povos, quer nos encontros natalícios das famílias, recuperamos o sentido que ainda pode ter a Paz, partir de uma frase atribuída a Jesus, pelo autor do Evangelho de João.

Que a fraternidade seja a força criadora do nosso viver em Paz.
Com estima,

grão de mostarda


A PAZ COMEÇA EM NÓS… (*)















 Jesus disse: “Deixo-vos com a Paz. A minha Paz vos dou, mas não como o mundo a dá…” (ver João 14, 27)


SÓ É POSSÍVEL A PAZ quando há acolhimento. Acolhimento de nós mesmos e de todos os seres da Terra, a nossa casa comum. “O acolhimento traz à luz a estrutura básica do ser humano…” (1), recorda-nos Leonardo Boff.

Podemos ficar desiludidos com “a paz do mundo”, orientada pela sofreguidão do tudo, originando impulsos de violência. Pode causar-nos sofrimento “a paz do mundo” encoberta por bons intuitos, mas que no seu “canto de sereia” nos mascara um único e insaciável desejo que produz milhões de vítimas: alimentar interesses particulares, destruidores da convivência humana.

Esta é “a paz como o mundo a dá”, sublinha Jesus. E quantas vezes não será também a paz que tranquiliza o nosso individualismo, que nos descompromete…

O que a proposta de Jesus nos suscita é precisamente iniciarmos a descoberta da fraternidade universal, a partir de cada decisão, cada gesto e cada palavra, no nosso quotidiano. Somente no acolhimento de cada ser humano seremos capazes de iniciar uma caminhada para a compreensão da bondade acolhedora com que nos inunda a Natureza. E que Miguel González Martín narra assim: “Fomos acolhidos pela Terra, pela corrente da Vida, pela natureza, pelos nossos pais, pela sociedade. O acolhimento, portanto, nos constitui” (2).

QUANTAS VEZES sentimos um apelo maior para nos constituirmos membros de grandes causas, muitas vezes longínquas geograficamente… Não se trata de ignorar o sofrimento ou os dramas de sobrevivência de tantos seres humanos, esmagados pelos interesses financeiros e pelos senhores de todas as guerras. Até porque a consciência global infunde-nos mais e maiores responsabilidades… A questão, porém, coloca-se: não “poderei ser fermento de confiança onde vivo, manifestando compreensão pelos outros, que se irá estendendo cada vez mais?” (3).

Jesus disse: “dou-vos a minha Paz”. Ele falava da Paz que nasce do mais profundo de nós mesmos, a partir de uma aprendizagem feita a partir da experiência, trabalhada interiormente, de “caminhar com um coração reconciliado…” (3). Só assim, como recorda o irmão Roger de Taizé, se iniciará uma nova etapa na convivência humana: a confiança tornada experiência no meu espaço de vivência será como um fogo que, pouco a pouco, se irá propagando ao próximo do nosso próximo… E assim, cada uma e cada um tornar-se-á “um foco de paz” (3).

(*) título inspirado num dos capítulos de “Não pressentes a felicidade?”, do irmão Roger deTaizé
(1) citação feita por Miguel González Martín, em Cuadernos Cristianisme i Justícia, de Novembro de 2015 (acesso gratuito em www.cristianismeijusticia.net)
(2) “De la hostilidade a la hospitalidade”, de Miguel González Martín, em Cuadernos Cristianisme i Justícia, de Novembro de 2015
(3) irmão Roger de Taizé, “Não pressentes a felicidade?”, Paulinas, Julho 2014

sábado, 19 de dezembro de 2015

ESCUTAR A VIDA



Caríssimas e caríssimos,

Paula Guerreiro já nos familiarizou com o seu jeito amável e singelo das reflexões ESCUTAR A VIDA… Nesta semana, a propósito da sua experiência pessoal numa acção de solidariedade, conduz-nos a um dos mais simbólicos “gestos” que começam a escassear: a verbalização da palavra “Obrigado”.

Não se trata simplesmente de um falar de cortesia social. Paula Guerreiro recorda palavras de Francisco, o bispo de Roma, que salientam que “a dignidade da pessoa e a justiça social passam ambas por aqui”, pela aprendizagem, no coração, da gratidão…

Fraternalmente,
grão de mostarda


OBRIGADO


RECENTEMENTE tive oportunidade de participar numa ação de solidariedade proposta por um grupo, na empresa onde exerço a minha atividade profissional. Como a iniciativa era louvável, convidei alguns elementos da minha equipa de trabalho a participar nela. Terminada a tarefa e porque o sentimento geral era de satisfação, tomamos a liberdade de agradecer o convite que nos deu a oportunidade de participarmos nesta ação. Um gesto muito simples, tal como é simples a verbalização desta palavra “Obrigado”. 

Surpreendida fiquei ao tomar conhecimento da surpresa que gerou esta nossa atitude, não de participarmos na ação, uma vez que esta teve uma vasta adesão, mas na admiração e no bem-haja que essa equipa da ação solidária manifestou ao tomar conhecimento do nosso gesto de gratidão, um único “Obrigado”! Uma palavra simples mas cheia de significado que faz bem a quem diz e a quem a escuta.

ESTE ACONTECIMENTO RECORDOU-ME as palavras do Papa Francisco há uns tempos atrás, sobre a importância de verbalizar a palavra  “Obrigado”, que deve começar no ambiente familiar. 

“A gentileza e a capacidade de agradecer são vistas como um sinal de debilidade, e às vezes até chegam a suscitar desconfiança. Esta tendência deve ser evitada no próprio coração da família. Devemos tornar-nos intransigentes sobre a educação para a gratidão e o reconhecimento: a dignidade da pessoa e a justiça social passam ambas por aqui. Se a vida familiar ignorar este estilo, também a vida social o perderá. Certa vez ouvi uma pessoa idosa, muito sábia, boa e simples, mas dotada da sabedoria da piedade e da vida, que dizia: ‘A gratidão é uma planta que só cresce na terra de almas nobres’. Esta nobreza de alma, esta graça de Deus na alma impele-nos a dizer obrigado à gratidão. É a flor de uma alma nobre. E isto é bonito!” – Papa Francisco.

Paula Guerreiro 


domingo, 13 de dezembro de 2015

ESCUTAR O AMOR



Interrompendo a ceia, Jesus começou a lavar os pés aos que o acompanhavam. No final, disse-lhes: “Compreendeis o que acabo de fazer convosco?” (ver João 13, 4-5)
Gustavo Gutiérrez ilumina-nos de modo sublime esta pergunta feita às discípulas e aos discípulos: “A ENTREGA DA VIDA NÃO É UM ACTO HERÓICO (…), É UM HUMILDE E FRATERNO SERVIÇO” (*)
(*) “Compartir la palabra a lo largo del año litúrgico”, Ediciones Sígueme, Salamanca (Espanha), 1995


ESCUTAR A VIDA


Caríssimas e caríssimos,

Eva Álvarez Glez é membro da Acción Cultural Cristiana, movimento espanhol de cristãos comprometidos numa “cultura de solidariedade”, através da denúncia “da manipulação da consciência que aliena o homem” (Ver: www. accionculturalcristiana.org).
No ESCUTAR A VIDA desta semana, Eva lança-nos um repto: os caminhos dos “anunciadores da violência” germinam em resultado do “maior fracasso da Humanidade”, o individualismo... Por isso, assume, é urgente abandonar todos os egoísmos que transfiguram a vida numa perpétua violência.
Fraternalmente, 

grão de mostarda

  ANUNCIADORES DA VIOLÊNCIA - PROFETAS DO AMOR
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“Vamos aumentar os ataques.” “A França vai intensificar as suas operações na Síria; vamos fazê-lo já nas próximas semanas. Não haverá tréguas. Estes crimes vão reforçar a determinação da França em os destruir.” François Hollande no Parlamento francês, dia 17 de Novembro passado, quatro dias após os atentados em Paris.

"A instabilidade e os riscos provenientes da costa sul estão já muito perto das fronteiras da NATO, pelo que os aliados terão de se adaptar à situação, colocando em marcha um conjunto de medidas que, há alguns anos, nunca teríamos imaginado.” “A NATO está totalmente preparada e passou a prova. Estamos, assim, a enviar um aviso aos nossos potenciais inimigos. Estamos preparados para defender todos os aliados.” Stoltenberg, secretário-geral da NATO, durante manobras militares que este ano decorreram em Espanha, Portugal e Itália.

Todos os dias, a violência apresenta-se-nos em forma de pobreza, de terrorismo, de escravatura, de guerra… justa. Uma violência estrutural e estruturada porque o Poder necessita da cumplicidade do Povo para se manter. Submetemo-nos a uma processo de “civilização”, no qual os porta-vozes do Sistema - à custa da superficialidade e de meias verdades - vão cozinhando a nossa consciência no interior dos nossos próprios medos e ignorâncias. Assim se legitima a falsa democracia: interesses espúrios de uns quantos, elevados à exaltação nas Leis e numa Cultura do Ter (mais dinheiro, ainda que à custa do empobrecimento de outros; mais segurança, ainda que à custa da nossa liberdade; mais prestígio, ainda que à custa da humilhação dos outros; mais razão, ainda que à custa de qualificativos de grupo - o que pertence a nós, esse é o dos bons, seguramente.

Em definitivo, assumimos a inevitabilidade do sofrimento de uma Humanidade dividida e violentada, e ludibriamos a nossa responsabilidade com a impotência do próprio egoísmo individualista.

“Sem amor, a humanidade não poderia continuar a existir nem mais um dia.”
Erich Fromm
“Quando, para alguém, os oprimidos deixam de ser uma designação abstracta e passam a ser homens concretos, despojados e numa situação de injustiça - despojados da sua palavra, e por isso subornados no seu trabalho, o que significa a venda da própria pessoa -, somente na plenitude desse acto de amar, no seu dar a vida, na sua praxis, se constitui a verdadeira solidariedade”
Paulo Freire

O maior fracasso da Humanidade está em viver dividida (fracassare: romper, quebrar algo em pedaços), porque pressupõe a fractura de cada um dos seres que a formamos: quando vivemos subjugados a uma ideologia, a uma moral fechada, a esquemas preconcebidos, o outro ameaça a nossa segurança, e necessitamos então de nos defender e atacar.
 Só a partir da própria essência do Ser, onde habita o Amor, poderemos tocar a humanidade do outro e reconhecê-lo como parte de nós. Por isso, é necessário que abandonemos o círculo vicioso da violência para imergirmos na dinâmica do Amor: do reconhecimento ao encontro; do conhecimento à reconciliação; da solidariedade (tornar-se um único com o outro) à unidade perfeita.

Eva Álvarez Glez