domingo, 31 de janeiro de 2016

ESCUTAR A VIDA



Caríssimas e caríssimos,

no tempo presente, a corrupção banqueteia-se em cada espaço sociedade, somente pela “ilusão do dinheiro”.  
Recuperando excertos de uma entrevista feita ao bispo de Roma, Paula Guerreiro conduz-nos ao exercício, que nem sempre o quotidiano nos permite, de fazermos uma reflexão sobre a corrupção, que além de se tornar um “hábito mental” e uma “forma de vida”, impede-nos “de olhar para o futuro com esperança”, como expressa Francisco.

Fraternalmente,

grão de mostarda



CORRUPÇÃO: O ESTORVO DA ESPERANÇA





RECENTEMENTE foi publicado o livro do Papa Francisco, "O Nome de Deus é Misericórdia" (1). Este livro resulta de uma longa entrevista com o jornalista Andrea Tornielli (*). O livro analisa o conceito de misericórdia, “tema central do seu pontificado e a que recentemente decidiu dedicar um jubileu extraordinário, que começou a 8 de Dezembro, prolongando-se até Novembro deste ano.”



O Papa apela à abertura do coração da Igreja, que acolhe, abraça e perdoa: “Uma igreja que não existe para condenar pessoas mas para promover o encontro com o amor visceral da misericórdia de Deus”. Neste livro, delicioso, o Papa aborda o pecado como uma ferida que precisa de ser curada, deixando um apelo aos líderes católicos: cuidem com compaixão da "humanidade que tem feridas profundas”.

Nos últimos tempos, e em determinados contextos, tenho escutado com alguma insistência a palavra “corrupção” e a este propósito há uma frase conhecida que foi citada pelo Papa durante uma homilia em Santa Marta: “Pecadores sim, corruptos não!”. E esclareceu que a “corrupção é o pecado que em vez de ser reconhecido como tal e de nos tornar humildes, se ­tornou sistema, torna-se um hábito mental, uma forma de vida. Não sentimos necessidade de perdão e de misericórdia, mas justificamo-nos e aos nossos comportamentos. (…) O corrupto não conhece a humildade, não sente necessidade de ajuda. Não se envergonha.” A vergonha, um sentimento de desconforto, o Papa Francisco considera-o como sendo uma graça: “Quando alguém experimenta a misericórdia de Deus, sente uma grande vergonha de si mesmo, do próprio pecado.”

NO FINAL DO LIVRO o Papa faz um apelo: “Que a palavra do perdão possa chegar a todos e a chamada a experimentar a misericórdia não deixe ninguém indiferente”, solicitando ainda “que este convite chegue também às pessoas fomentadoras ou cúmplices de corrupção.”
Referindo-se à corrupção como uma “praga putrefata da sociedade”, o Papa Francisco acentua ser “um pecado grave que brada aos céus, porque mina as próprias bases da vida pessoal e social. A corrupção impede de olhar para o futuro com esperança, porque, com a sua prepotência e avidez, destrói os projetos dos fracos e esmaga os mais pobres. É um mal que se esconde nos gestos diários para se estender depois aos escândalos públicos. A corrupção é uma contumácia no pecado, que pretende substituir Deus com a ilusão do dinheiro como forma de poder.”

“Este é o momento favorável para mudar de vida! Este é o tempo de se deixar tocar o coração. Diante do mal cometido, mesmo crimes graves, é o momento de ouvir o pranto das pessoas inocentes espoliadas dos bens, da dignidade, dos afetos, da própria vida. Permanecer no caminho do mal é fonte apenas de ilusão e tristeza. A verdadeira vida é outra coisa. Deus não se cansa de estender a mão (..). Basta acolher o convite à conversão.”

Paula Guerreiro

(1) Editorial Planeta, 2016
(*) jornalista do jornal italiano La Stampa
 

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

ESCUTAR A VIDA



Caríssimas e caríssimos, 

o economista e filósofo francês Serge Latouche no seu livro “Vers une société d’abondance frugale” (1), aponta que a saída do presente modelo de social consumista, gerador de desequilíbrios desumanizadores, exige, antes de qualquer reestruturação sociopolítica, uma “tarefa de autotransformação em profundidade da sociedade e dos cidadãos”.

Eva Álvarez Glez, membro da Acción Cultural Cristiana, movimento espanhol de cristãos, (Ver: www. accionculturalcristiana.org), recupera uma parte da sua conferência “O novo Ser político”, de 2014,  no âmbito dos acontecimentos políticos então vividos em Portugal e Espanha, e cuja actualidade se mantém, enquanto reflexão para uma revolução, só possível conseguida a partir do nosso interior, como já sublinhava Latouche.

Fraternalmente,
grão de mostarda


  

REVOLUÇÃO EM VEZ DE REACÇÃO





 







AO LONGO DA HISTÓRIA vimos como as consequências das revoluções (sagrentas ou pacíficas) voltaram, a fim de algum tempo, a retroceder no mesmo problema: a acumulação de poder. Isto deve-se a que, na maioria das situações, o detonador não nasceu da aspiração profunda do ser humano para superar as estruturas dominadoras e as suas contradições, mas sim surgiu de uma reacção diante das mesmas. E apesar de se terem gerado mudanças significativas em cada um delas, o sistema foi capaz, sempre, de se reinventar - quer seja pela acção das antigas oligarquias ou através dos próprios revolucionários, acabando eles próprios em converter-se em opressores, precisamente porque eles mesmos não buscavam ser melhores - humanizarem-se e humanizar a sociedade. [Foram poucos aqueles que o perseguiram e conseguiram, e aqui deixo a minha admiração e reconhecimento].

Em minha opinião, dois factores fundamentais propiciarem este fenómeno:
- A macroorganização jurídico-política: a existência de Estados e outros grandes territórios organizados sob o mesmo Governo, e em resultado da luta de interesses e de guerras sangrentas entre os poderosos de cada momento. Segundo Michels, no seu “Ley de hierro de las oligarquias” (*), “quanto maiores se tornam as organizações, ais se burocratizam”, o que exige não somente um conjunto de especialistas ou uma elite que assuma os assuntos políticos (os nossos políticos profissionais), mas também uma forte liderança por parte das referidas oligarquias, massificando o Povo, divorciando-o das tomadas de decisão comuns e reduzindo-o a simples eleitor, a quem confiscarão os rendimentos do seu trabalho.
- A ausência de autêntica re-evolução da pessoa, tanto a nível intelectual como de consciência: é uma das armas mais poderosas do Poder, mantendo o Povo dIvorciado do conhecimento (História, Filosofia, Política, Economia…) que lhe conceda instrumentos para desmascarar as manipulações e mentiras sobre as quais se sustenta o Sistema. Mas, ainda mais eficaz, é a de alimentar a ignorância da própria dignidade e a alienação da consciência, através da criação de falsas necessidades e de relações de dependência e de coerção.

ASSIM, PARA QUE SE CONCRETIZE UMA VERDADEIRA MUDANÇA sociopolítica, deve acontecer uma REVOLUÇÃO. É imprescindível uma nova concepção antropológica, um novo Ser que encarne uma série de virtudes, pessoal e colectivamente devemos recuperar e desenvolver. Virtudes e capacidade intrínsecas à nossa natureza humana, antecedentes à da organização e da legislação. E, a partir daí, poder-se-á realizar e viver a política do bem de todos e de cada um dos seres humanos: a Política do respeito e da consciência pessoal, da tomada de decisões e da corresponsabilidade, enquanto um valor assumido e assumido previamente pela sociedade, em liberdade, e não induzida nem imposta pelas elites. 

Se os poderosos do mundo são capazes de se unirem na sua mesquinhez, como não poderá ser o Povo capaz de se unir na sua Humanidade.

Eva Álvarez Glez

(1) versão espanhola: “La sociedade de la abundancia frugal”, Icaria editorial, 2012, Barcelona
(*)Robert Michels, sociólogo alemão (1876 - 1936).