domingo, 10 de março de 2013

ESCUTAR A VIDA



Caríssimas e caríssimos, 

Escutar “o clamor e as angústias” dos mais fragilizados, daqueles que têm de cortar uma maçã em três partes, para ela dure três dias. Para Henrique Scheepens (*), este escutar leva a perscrutar caminhos de confiança... Na fé cristã de Henrique todo o “antigo” foi “renovado” (ver ANEXO).

Com estima fraterna,

grão de mostarda


Igreja, santa e pecadora


Escutando a vida, escuto-a a partir de membro ativo na comunidade católica das Galinheiras, situada na ponta mais norte da cidade de Lisboa. Escuto-a no que leio e por telefone; escuto-a no Centro Social direta ou indiretamente pela voz de funcionárias. O meu escutar é curto, limitado mas não sem importância. A enorme riqueza da vida, só Deus abrange a totalidade da vida de todos. Escuta o clamor do seu povo: “Eu vi a situação miserável do meu povo, escutei o seu clamor, conheço as suas angústias” (ver Êxodo 3, 7). No passado e no hoje: “As coisas antigas passaram; tudo foi renovado. Se alguém está em Cristo, é uma nova criatura”. (2ª Carta aos Coríntios 5, 17)

Um telefonema duma solicitadora que quis falar comigo, por pertencer a esta comunidade católica como padre. Nunca aparece na oração nem as filhas frequentam a catequese. “Tenho um amigo que perdeu a esposa por suicídio e a filha com deficiência física e mental encontra-se em Espanha”. Pede-me se conheço uma instituição que possa receber essa filha cá, perto de Lisboa onde ele vive. “O padre não conhece uma instituição orientada por freiras onde, talvez por seu intermédio, possa receber essa filha”? A nossa Igreja é conhecida não só pelo mal que causou e causa, mas também pelo bem que fez e faz. 

O Centro Social é procurado por muita gente, nos tempos que correm, em especial por funcionar aí um Banco Alimentar. Bancos Alimentares atendem muitos e enfrentam toda a qualidade de pessoas: pessoas que compreendem e que não compreendem, pessoas que sabem que há outros a sofrerem como elas e pessoas que julgam que só elas têm direitos. É necessário ter paciência! Uma senhora com 83 anos conta que vive com um filho deficiente de 50 anos, por lhe ter caído um ferro em cima da cabeça; nunca descontou, não recebe nenhum apoio apesar de ter perdido a capacidade de trabalhar. A reforma da mãe, de 278 euros, deve dar para comer, água e electricidade, gás e renda da casa. “Às vezes corto uma maçã em três partes para ela durar três dias”, observou essa mãe. O nosso Banco ajuda na alimentação dos dois, mas vai fazer tudo para que haja aí apoio do Rendimento Social de Inserção.

Escreveu, no passado dia 2, o historiador José Pacheco Pereira: “Muitos portugueses identificam-se como católicos, muitos são mesmo crentes, e parte desses crentes é praticante. Uma minoria pertence a várias instituições da Igreja, no plano social, cultural e assistencial. Sem eles desabaria a frágil rede que protege os mais pobres e fracos na sociedade portuguesa e a que o Estado dá cada vez menos e pior.”

Igreja, santa e pecadora.

Henrique Scheepens, padre da Congregação dos Sagrados Corações e co-responsável da paróquia católica de S. Bartolomeu da Charneca (Lisboa)

(*) O padre Henrique é missionário… viveu muitos anos na Pedreira dos Húngaros, partilhando uma barraca (de madeira) com outros missionários, naquele que foi considerado o mais problemático bairro da Grande Lisboa. Colabora nas reflexões de ESCUTAR A VIDA; a sua presença não tem sido possível, desde novembro, por ter fraturado a mão direita…

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