Caríssimas e caríssimos,
Quando, em dezembro passado,
Luísa Alvim e Valentim Gonçalves (*) iniciaram um novo ciclo de “cartas”
dedicadas ao tema ESPERANÇA: CAMINHO E HORIZONTE, ficou acordado que, depois de
entre eles trocarem quatro “cartas”, escreveríamos uma intercalar.
A partir das interrogações que os
fariseus colocavam sobre os sinais que anunciariam a vinda do “Reino de Deus”,
interrogamos os corações com a resposta que Jesus lhes dá: “O Reino está entre
vós”. Como sublinha o teólogo Andrés Torres Queiruga: trata-se do apelo a uma
profunda “fidelidade à terra”. (ver ANEXO)
Fraternalmente,
grão
de mostarda
O REINO já está entre vós…
Caríssima Luísa e caríssimo Valentim,
o teólogo católico Andrés Torres Queiruga, no
seu livro Esperanza a pesar del mal – La
resurrección como horizonte, recorda-nos: o cristianismo tem “o seu núcleo
num Deus-ágape que nos profetas
afirma que somente o conhece quem faz justiça ao órfão e à viúva (Jeremias 22,
15-16; 6, 16-21; 7, 1-34) e que em Jesus de Nazaré se identifica,
inequivocamente, com eles, convertendo a luta contra a fome, a sede e a nudez,
ou seja, contra o mal, no critério definitivo de salvação (Mateus 25, 31-46).”
E Queiruga assinala: este é o testemunho de como Deus “está sempre ao lado do
oprimido e do que sofre, apoiando a sua luta e alimentando a sua esperança”
(1).
Contudo, hoje,
perante os danos que, ao nível político, social e financeiro, vão sendo
perpetrados à Terra e à Humanidade, particularmente aos mais fragilizados,
permanece a interrogação, como o irmão Aloïs referia recentemente: “Os vários
tipos de violência no mundo e a exploração irresponsável dos recursos do
planeta deixam-nos desconcertados (…). Como podemos gerir esta tensão entre a
convicção de que há apenas uma família humana e as diferenças que vemos, talvez
mesmo perto de nós?” (2).
Que caminhos
percorrer? Andrés Torres Queiruga aponta: “ (…) não há mais funda ‘fidelidade à
terra’ que aquela que vive animada pelos dinamismos do ‘Reino que já está entre
vós’ (Lucas 17,21) ” (1).
No relato
evangélico que Queiruga cita, Jesus, diante da curiosidade mítica dos fariseus
que o interrogavam sobre quais os sinais que poderiam esperar para a
concretização do Reino de Deus, transporta-os à realidade: “O Reino de Deus não
vem como uma coisa que se possa observar… Na verdade, o Reino de Deus já está
no meio de vós.”
Na feliz
expressão de Queiruga, a resposta de Jesus constitui um desafio de “fidelidade
à terra”. Ou seja, é em nós que reside a capacidade de tornar a Terra um lugar habitável, um lugar onde seja inconcebível que ao órfão e à
viúva não se faça Justiça… De nós depende uma nova soberania, construída a
partir do presente. Mas, como Jesus sublinha, uma nova soberania “não vem como
uma coisa que se possa observar”, porque depende da nossa vontade, da nossa
convicção. Uma nova soberania exige-nos novos comportamentos, que não se
harmonizam com a curiosidade dos fariseus, que acreditavam num qualquer sinal
misterioso, fabuloso… Uma nova soberania exige-nos decisões e atitudes de
“fidelidade à terra”; uma fidelidade somente possível para quem já está
convicto de que “o presente é (o lugar) de onde se inicia a libertação, da qual
o futuro será fruto” (3).
São muitas as
iniciativas que nos vão desvelando as possibilidades de uma nova soberania; há
gestos de pessoas que não se deixam agarrar pela espera dos desesperados,
preferindo experimentar a esperança como exercício no quotidiano. Este foi o
critério de Jesus, o “critério definitivo de salvação” concretizado na “luta contra
a fome, a sede e a nudez, ou seja, contra o mal”.
Como caminhar
neste sentido? “Fazendo a experiência da
solidariedade com outros, a experiência da pertença uns aos outros, de depender
uns dos outros”, porque só assim “descobrimos que a bondade descobre-se não em
‘cada um por si’, mas em investir na solidariedade entre os humanos” (2). Ou
seja, viver, já hoje, a esperança enquanto caminho e horizonte…
Com estima
fraterna,
grão de mostarda
Foto: © ACNUR / D.A.Khan
(1) Esperanza a pesar del mal – La resurrección como horizonte, Sal
Terrae, Santander (Espanha), 2005
(2) Irmão
Aloïs, “Um dinamismo de
solidariedade” (Julho 2012).
Ver: http://www.taize.fr/pt_article14171.html
(3) El
único Cristo, Sal Terrae, Santander (Espanha), 2005, de Christian Duquoc,
citado por Andrés Torres Queiruga em Esperanza
a pesar del mal – La resurrección como horizonte
(*) Luísa Alvim,
cristã empenhada na paróquia católica de S. Victor, em Braga – os seus
“diários” da catequese no Facebook constituem verdadeiras parábolas sobre o
Amor Infinito –, é também membro do Metanoia – movimento de profissionais
católicos. Técnica superior (área de Biblioteca e Documentação), na Câmara
Municipal de Vila Nova de Famalicão – actualmente a trabalhar na Casa de Camilo
- Museu e Centro e Estudos –, diz-se uma “sonhadora do impossível”.
Valentim Gonçalves é
pároco da comunidade católica de S. Pedro do Prior Velho, desde a sua
constituição como paróquia, em Outubro de 1999. A população do Prior Velho
(concelho de Loures) conhece este missionário do Verbo Divino, desde há duas
décadas, quando começou a empenhar-se no serviço aos moradores da Quinta da Serra
– bairro ilegal, constituído maioritariamente por imigrantes africanos.
Provincial da sua congregação e membro da Comissão de Justiça e Paz dos
Institutos Religiosos, assume também trabalho pastoral na antiga Quinta do
Mocho (actual Terraços da Ponte, em Sacavém), igualmente habitado por uma
população de imigrantes africanos.
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