segunda-feira, 18 de março de 2013

ESPERANÇA: CAMINHO E HORIZONTE



Caríssimas e caríssimos, 

Quando, em dezembro passado, Luísa Alvim e Valentim Gonçalves (*) iniciaram um novo ciclo de “cartas” dedicadas ao tema ESPERANÇA: CAMINHO E HORIZONTE, ficou acordado que, depois de entre eles trocarem quatro “cartas”, escreveríamos uma intercalar.

A partir das interrogações que os fariseus colocavam sobre os sinais que anunciariam a vinda do “Reino de Deus”, interrogamos os corações com a resposta que Jesus lhes dá: “O Reino está entre vós”. Como sublinha o teólogo Andrés Torres Queiruga: trata-se do apelo a uma profunda “fidelidade à terra”. (ver ANEXO)

 Fraternalmente,

grão de mostarda

O REINO já está entre vós…

Caríssima Luísa e caríssimo Valentim, 


o teólogo católico Andrés Torres Queiruga, no seu livro Esperanza a pesar del mal – La resurrección como horizonte, recorda-nos: o cristianismo tem “o seu núcleo num Deus-ágape que nos profetas afirma que somente o conhece quem faz justiça ao órfão e à viúva (Jeremias 22, 15-16; 6, 16-21; 7, 1-34) e que em Jesus de Nazaré se identifica, inequivocamente, com eles, convertendo a luta contra a fome, a sede e a nudez, ou seja, contra o mal, no critério definitivo de salvação (Mateus 25, 31-46).” E Queiruga assinala: este é o testemunho de como Deus “está sempre ao lado do oprimido e do que sofre, apoiando a sua luta e alimentando a sua esperança” (1).

Contudo, hoje, perante os danos que, ao nível político, social e financeiro, vão sendo perpetrados à Terra e à Humanidade, particularmente aos mais fragilizados, permanece a interrogação, como o irmão Aloïs referia recentemente: “Os vários tipos de violência no mundo e a exploração irresponsável dos recursos do planeta deixam-nos desconcertados (…). Como podemos gerir esta tensão entre a convicção de que há apenas uma família humana e as diferenças que vemos, talvez mesmo perto de nós?” (2). 

Que caminhos percorrer? Andrés Torres Queiruga aponta: “ (…) não há mais funda ‘fidelidade à terra’ que aquela que vive animada pelos dinamismos do ‘Reino que já está entre vós’ (Lucas 17,21) ” (1). 

No relato evangélico que Queiruga cita, Jesus, diante da curiosidade mítica dos fariseus que o interrogavam sobre quais os sinais que poderiam esperar para a concretização do Reino de Deus, transporta-os à realidade: “O Reino de Deus não vem como uma coisa que se possa observar… Na verdade, o Reino de Deus já está no meio de vós.” 

Na feliz expressão de Queiruga, a resposta de Jesus constitui um desafio de “fidelidade à terra”. Ou seja, é em nós que reside a capacidade de tornar a Terra um lugar habitável, um lugar onde seja inconcebível que ao órfão e à viúva não se faça Justiça… De nós depende uma nova soberania, construída a partir do presente. Mas, como Jesus sublinha, uma nova soberania “não vem como uma coisa que se possa observar”, porque depende da nossa vontade, da nossa convicção. Uma nova soberania exige-nos novos comportamentos, que não se harmonizam com a curiosidade dos fariseus, que acreditavam num qualquer sinal misterioso, fabuloso… Uma nova soberania exige-nos decisões e atitudes de “fidelidade à terra”; uma fidelidade somente possível para quem já está convicto de que “o presente é (o lugar) de onde se inicia a libertação, da qual o futuro será fruto” (3).

São muitas as iniciativas que nos vão desvelando as possibilidades de uma nova soberania; há gestos de pessoas que não se deixam agarrar pela espera dos desesperados, preferindo experimentar a esperança como exercício no quotidiano. Este foi o critério de Jesus, o “critério definitivo de salvação” concretizado na “luta contra a fome, a sede e a nudez, ou seja, contra o mal”. 

Como caminhar neste sentido? “Fazendo a experiência da solidariedade com outros, a experiência da pertença uns aos outros, de depender uns dos outros”, porque só assim “descobrimos que a bondade descobre-se não em ‘cada um por si’, mas em investir na solidariedade entre os humanos” (2). Ou seja, viver, já hoje, a esperança enquanto caminho e horizonte…

Com estima fraterna,

grão de mostarda

Foto: © ACNUR / D.A.Khan

(1) Esperanza a pesar del mal – La resurrección como horizonte, Sal Terrae, Santander (Espanha), 2005

(2) Irmão Aloïs, “Um dinamismo de solidariedade” (Julho 2012).
Ver: http://www.taize.fr/pt_article14171.html

(3) El único Cristo, Sal Terrae, Santander (Espanha), 2005, de Christian Duquoc, citado por Andrés Torres Queiruga em Esperanza a pesar del mal – La resurrección como horizonte

(*) Luísa Alvim, cristã empenhada na paróquia católica de S. Victor, em Braga – os seus “diários” da catequese no Facebook constituem verdadeiras parábolas sobre o Amor Infinito –, é também membro do Metanoia – movimento de profissionais católicos. Técnica superior (área de Biblioteca e Documentação), na Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão – actualmente a trabalhar na Casa de Camilo - Museu e Centro e Estudos –, diz-se uma “sonhadora do impossível”.

Valentim Gonçalves é pároco da comunidade católica de S. Pedro do Prior Velho, desde a sua constituição como paróquia, em Outubro de 1999. A população do Prior Velho (concelho de Loures) conhece este missionário do Verbo Divino, desde há duas décadas, quando começou a empenhar-se no serviço aos moradores da Quinta da Serra – bairro ilegal, constituído maioritariamente por imigrantes africanos. Provincial da sua congregação e membro da Comissão de Justiça e Paz dos Institutos Religiosos, assume também trabalho pastoral na antiga Quinta do Mocho (actual Terraços da Ponte, em Sacavém), igualmente habitado por uma população de imigrantes africanos.

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