Caríssimas e
caríssimos,
“Alugam-se seres
humanos para escravatura”. Este anúncio poderia ser igual para todas as
empresas ditas de recrutamento de “trabalho temporário”, mas cuja atividade não
é a contratação, mas sim o desencantamento e a desestruturação social… O tema
resulta de uma crónica de jornal, feita denúncia responsável.
Fara Caetano não
permitiu que aquele fosse o “futuro” da sua vida. Natural do Porto, na
Guiné-Bissau desde 2011, foi ela que decidiu desenhar a sua vida. Não no
facilitismo, mas num empenhamento construído com crianças e jovens, para quem a
vida ainda é feita de “pequenos nadas”.
Nesta reflexão
Escutar a Vida deseja-se prolongar a ideia que deu fundamento aos PENSAMENTOS
EM BUSCA desta semana.
ALUGAM-SE
PESSOAS…
EM PORTUGAL,
MAIS DE 200 MIL PESSOAS vivem dos chamados “trabalhos” temporários -com aspas, porque
aqui a palavra não tem a dignidade que o seu conteúdo abrange.
Uma crónica do sociólogo José Soeiro
denuncia, de forma sistematizada, o que já sabemos a este respeito (1). Há
seres humanos considerados precários, a quem são exigidas “funções
permanentes”. Isto significa que estão subordinados a uma circunstância de responsabilização
duradoura para com quem os contratou, vivendo contudo quotidianos de
sobressalto.
A sua situação jurídica não deveria ser a de
trabalhadores, mas sim de escravos: por quem receba 600 euros, o empregador
terá de despender o dobro. “A natureza temporária do contrato é uma
fonte de chantagem e de dominação….”, observa o sociólogo.
Naturalmente,
ficamos perturbados com o que se passa, em matéria de contratação laboral,
incluindo crianças, nos países distantes das nossas casas, os quais a Europa de
Bruxelas considera “em desenvolvimento”. Mas vamo-nos apercebendo, cada vez
mais, que o que diz respeito ao desrespeito dos Direitos Humanos está mais
próximo do tapete da entrada de nossa casa. Talvez ainda somente tenha visitado
a porta do vizinho do lado. E na sua maioria são vidas jovens tratadas como
lixo...
Só o ser humano é
o único bem imprescindível para a concretização do trabalho, para todo e
qualquer trabalho. Nenhuma máquina nem nenhuma tecnologia conseguem fabricar ou
conceber outras máquinas ou outras tecnologias. Que se passa, então? José
Soeiro responde: a receita das organizações que recrutam “trabalho” temporário
aumentou 20 por cento. Não podemos esquecer, porém, que deste sistema resultam
incontáveis milhares de outras vítimas - às 200 mil oficialmente referenciadas,
há que juntar as pessoas que daquelas dependem, além de outros trabalhadores
precários submersos no mundo da ilegalidade.
A resignação subverte, como avisadamente já apontava, em 2012, o irmão
Aloïs de Taizé: “Sentimo-nos diminuídos face às estruturas de injustiças. Por um
lado, a velocidade cada vez mais galopante do desenvolvimento técnico é
formidável. Todavia, também nos destabiliza. Como podemos gerir esta tensão
entre a convicção de que há apenas uma família humana e as diferenças que
vemos, talvez mesmo perto de nós?”
E propunha “a experiência da
pertença uns aos outros”. Ou seja, abrir o coração à capacidade de descobrir
possibilidades, atitudes inovadoras, nem sempre fáceis, mas que não
prosseguindo itinerários manchados pela lógica do egoísmo financeiro, poderão
apontar horizontes novos, mesmo que localmente…
A FARA CAETANO CONCRETIZOU ELA
PRÓPRIA A SUA ALTERNATIVA. Não se deixando aprisionar pela falência do túnel negro que lhe
colocavam como futuro, atreveu-se a criar um outro modelo de sobrevivência,
assumindo uma atitude libertadora de e com outros…
“Se conseguir melhorar, de alguma
forma, a vida de um aluno meu já fico feliz. Nem que seja através de um
conselho que dei ou de um gesto que fiz. Tudo conta.” De modo simples e forma
breve, é como ela nos dá o retrato da sua experiência, numa entrevista
inexcedível pela alegria transparente que revela (2).
Não buscou na Guiné-Bissau a
saída de emergência para a sua vida. Na biografia do medo e do individualismo,
arriscou gravar uma atitude de confiança, através de uma entrega “àquelas que
são as verdadeiras urgências de hoje”, utilizando ainda palavras do irmão
Aloïs. Ou seja, a estruturação de uma nova Humanidade, para que não mais seja
permitido alugar pessoas.
comunidade grão de mostarda
(1) Ver: