ESCUTAR A VIDA

Caríssimas e caríssimos,
depois de uma interrupção forçada, devido a uma avaria no computador do grão de mostarda, retomamos as reflexões semanais ESCUTAR A VIDA, com Paulo França que, com este texto titulado Homofobia (ver ANEXO), inicia uma abordagem sobre as diferentes discriminações.

Sabemos das dificuldades que as questões relacionadas com a homossexualidade ainda provocam, particularmente quando feita nos diversos “ambientes” de fé…Pretendemos que o conjunto de reflexões de Paulo França sobre as diferentes discriminações ajude a abrir os corações, recordando-nos que Jesus disse: “Vinde a mim, vós que andais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei…” (ver Mateus 11, 28).

Recentemente, as monjas dominicanas do Mosteiro de Sta. Maria, em Lisboa, realizaram, no âmbito dos “Encontros do Lumiar”, uma conferência com dois homens cristãos que publicamente assumiram a sua homossexualidade integrada na sua fé. Iniciativas como esta permitem-nos ir reflectindo sobre a vida de mulheres e homens que, por diversas formas (mais ou menos subtis) vão sendo marginalizados. “Viver como cristãos a condição homossexual” foi o título dado àquele encontro, e já editado em papel (contactos: monjas.op.lisboa@sapo.pt. ou telf.: 21 758 96 12).

Gestos como o daquela comunidade monástica, de simplicidade e inclusão, vão-nos movendo na solidariedade fraterna, tarefa de exigência da nossa fé cristã e que o irmão Roger assim interpretou: “Quando infatigavelmente a Igreja escuta, cura, reconcilia, torna-se naquilo que é no mais luminoso de si mesma, uma comunhão de amor, de compaixão, de consolação, límpido reflexo de Cristo ressuscitado. Nunca distante, nunca à defesa, liberta de severidades, ela pode irradiar a humilde confiança da fé até aos nossos corações” (Viver para amar – Palavras escolhidas; Paulinas, 2010).
Com estima fraterna,
grão de mostarda

Das discriminações – Parte I

Homofobia

Esta reflexão pretende fazer com que todos nós paremos um pouco para pensar acerca daquilo que é espontaneamente natural no ser humano, mas que a civilização e a cultura, nas suas mais diversas manifestações e expressões censuraram e ainda censuram. Hoje, vou falar da homossexualidade. Uma realidade que existe desde tempos ancestrais nas comunidades humanas e também em alguns grupos de animais, ao que se sabe hoje.
A homossexualidade é considerada pelos sexólogos uma das três orientações sexuais, que podem ser: heterossexual, homossexual e bissexual. Esta última não reúne consenso, pelo menos em muita gente de classe média e culta da nossa sociedade.
A história da sexualidade demonstra que a homossexualidade já teve aceitação em algumas sociedades humanas, nomeadamente a Grécia da Antiguidade Clássica, assim com na Roma imperial. Não cabe aqui tecer grandes considerações acerca daquilo que certas instituições têm feito ao longo da História da Europa, no sentido da censura do comportamento humano e que resultou no facto de muitas sociedades contemporâneas terem imensa dificuldade em integrar, com naturalidade, esta realidade. Ora se esconde, por vergonha, ora se censura e enxovalha na praça pública, nunca se conseguindo ver nessa orientação dignidade.
Deixando para trás o passado, temos de admitir que estamos, como país, na vanguarda (pelo menos em termos de Direito Civil) da Europa e do mundo. Mas, a realidade exterior à teoria e à criação das leis é bem diferente. A homofobia persiste de forma latente. De entre muitos profissionais de saúde, no nosso país, tem-se destacado um sexólogo de renome, Júlio Machado Vaz. Este médico psiquiatra tem desmistificado muitos equívocos acerca da sexualidade em geral, e da homossexualidade em particular, chegando mesmo a defender publicamente esta orientação sexual, no sentido da sua dignidade e respeitabilidade.
Todavia, em Portugal, persiste uma cultura homofóbica, não só na sociedade em geral, mas em particular nas escolas. Gostar de pessoas do mesmo sexo continua a ser uma coisa muito difícil de ser aceite pelas pessoas. Reconhece-se que a incidência de suicídios e depressões neste grupo de pessoas é alta, devido à rejeição familiar, social e à discriminação no trabalho. Infelizmente, não faltam casos destes entre nós, ainda hoje, em pleno século XXI. Em relação a isto, é fulcral que as pessoas percebam que o casamento entre pessoas do mesmo sexo está protegido por lei, a sua discriminação tem penalização jurídica. Temos de começar a desenvolver uma cidadania, como aquela que existe noutros lugares do mundo e até da Europa. Se for preciso penalizar quem discrimina e não respeita os direitos humanos, penalize-se nos termos da lei do nosso Estado de Direito.
Na Educação, os programas escolares continuam a escamotear esta realidade. A verdade é que os adolescentes e jovens vivem a sua identidade sexual no escuro, na sombra e no medo. Os pais não revelam facilidade em aceitar esta realidade. Esta é uma realidade que já o professor Daniel Sampaio falou há muitos anos atrás. Nenhuma mãe ou pai perspectivam ter e criar um filho homossexual. Por outro lado, os professores também não são melhores a lidar com estas coisas. Espantosamente, a homossexualidade feminina continua a ser mais bem aceite e a fazer as delícias de muitos homens heterossexuais, quando essas mulheres se prestam a fazer ficção cinematográfica. Nesta situação, temos discriminação dos homens homossexuais em favor das mulheres. O problema é que aquelas são usadas como mero instrumento de prazer.
Em relação à orientação sexual, e aos preconceitos que grassam por este mundo fora em relação a isto, gostaria de partilhar um facto que se passou no nosso país e que demonstra que o amor entre pessoas do mesmo sexo existe. Um amigo meu, Carlos, português, de 40 anos, bem instalado na vida, conheceu, na América do Sul, um homem mais novo, Hugo, de 26 anos, gestor numa grande seguradora multinacional. Encontraram-se numa avenida, durante o dia, e sentiram aquilo a que chamamos “amor à primeira vista”. Falaram, voltaram a encontrar-se. Foram-se conhecendo melhor e assumiram a condição de namorados. Carlos era agente de viagens e, como tal, tinha grande facilidade em viajar e ir àquele continente. Andaram nisto dois anos. Entretanto, Hugo veio de visita a Portugal. Passou férias aqui e gostou. Voltou à América e tomou a decisão de se despedir do seu emprego invejável, por não aguentar mais estar longe de Carlos. Veio para Portugal. Hoje trabalha na restauração, numa cidade, deixando tudo o que tinha. Ambos estão bem, têm uma vida emocional estável. Acreditam um no outro e vivem juntos, partilhando a vida em comum. Como Carlos e Hugo, há muita gente, incluindo mulheres. Como é possível não querer ver dignidade nisto? É preferível esconder? É melhor estas mulheres e homens casarem e fingirem ser heterossexuais para não sofrerem a censura social e familiar?
Obviamente que não. Mas há um longo caminho a percorrer nas mentalidades das pessoas, nas escolas, nos professores, nos pais, no cidadão comum do bairro, nos órgãos de comunicação social e nas instituições em geral. Basta pensar que apenas no início dos anos 90 é que a Organização Mundial de Saúde retirou a homossexualidade da sua lista de doenças de foro psiquiátrico. Logo, a homossexualidade deixou de ser considerada uma doença. Tem havido, de facto, evoluções. Seria desonesto negá-lo, mas ainda há muito por fazer. A educação (em casa, na escola, na informação dos media) tem um papel de charneira. Os pais, os educadores e professores, os profissionais da comunicação social têm de inverter esta situação e integrar este fenómeno na nossa realidade quotidiana, como uma forma de amor natural e com direito ao respeito de todos. Caso contrário, estaremos a permitir que se continue a escarnecer pessoas que apenas querem ser livres, amar e ser amadas.

Paulo França, 43 anos