segunda-feira, 10 de agosto de 2015

ESCUTAR A VIDA



Caríssimas e caríssimos,

será possível avaliar “situações de injustiça” oferecendo “a nossa protecção aos que estão vulneráveis” e assim identificar “as formas modernas de escravatura”?, interrogava-se o irmão Aloïs, de Taizé, no Encontro Europeu do ano passado, em Praga,  numa das suas «Quatro propostas para ‘ser sal da terra’» (*).

Um médico da República Democrática do Congo acreditou, desde muito novo, que sim: só uma nova atitude é possível perante os mais vulneráveis. E foi a sua “extraordinária acção humanitária” que, em Julho, o levou a Lisboa para receber o Prémio Calouste Gulbenkian 2015. Antes, Denis Mukwege já fora distinguido com o Prémio dos Direitos Humanos das Nações Unidas de 2008, o Prémio Olof Palme pelos resultados excepcionais na promoção da paz, o título de “Cidadão do mundo” da Fundação Carter, e, no ano passado, o Prémio Sakharov.

No decorrer da primeira guerra civil no seu país, em 1996, Denis Mukwege viu o hospital que fundara destruído pela violência gerada pelas diferentes facções étnico-políticas… Não se resignou: “Não se pode desistir, não se pode deixar de fazer alguma coisa”. Foi esta convicção que, em 1999, fundou o Hospital Panzi, destinado fundamentalmente a assistir mulheres e crianças vítimas de violação… (**).

O luminoso exemplo de fraternidade daquele médico, tornou presente nos nossos corações o final da “Carta em busca” deste ano: “Somente de uma amabilidade comprometida poderá nascer um ‘tempo de paz’, de uma genuína hospitalidade e de uma gratuidade total.”

Fraternalmente,

comunidade grão de mostarda




LUMINOSO GESTO DE FRATERNIDADE



20 mil é um número excepcional… Denis Mukwege já cuidou e curou mais de mil e duzentas mulheres e meninas por ano, desde 1999 até agora. E como muitas delas não podem regressar às famílias ou às próprias aldeias, devido às mais diferentes rejeições a que são sujeitas, criou um conjunto de apoios e serviços, como casas-abrigo e formação profissional, para lhes proporcionar integração social.

A violência sexual nunca foi levada verdadeiramente a sério. Quando armas químicas são usadas num conflito considera-se que uma linha vermelha foi ultrapassada. Onde está a linha vermelha na violência sexual?”. A esta questão do médico congolês ainda não corresponderam as instâncias internacionais de Direitos Humanos, incluindo a ONU.

A “linha vermelha” ultrapassa-a ele em cada dia, Hospital de Panzi (*), a instituição que fundou e onde chega a atender meninas vítimas de abuso sexual com menos de cinco anos…

Não deixar que o mal tome conta da própria vontade interior; não permitir que a vida se paute pelo “deixar passar” exige-nos iniciar um percurso irreversível, uma consciência profunda “de que o que pode paralisar o ser humano é o cepticismo ou o desânimo” (1). 

É a partir deste olhar do coração que nos tornamos “artesãos de paz, mulheres e homens de compaixão” (2). E assim descobriremos, como Denis Mukwege, que de decisões de amabilidade comprometida nascem gestos luminosos de fraternidade, capazes de uma mais eficaz denúncia das novas injustiças.

comunidade grão de mostarda

(*) http://www.panzihospital.org
(1) Irmão Roger de Taizé, “Viver para amar – Palavras escolhidas”, Paulinas, 2010
(2) Da reflexão do irmão Aloïs, prior da Comunidade de Taizé, na oração da noite de 14 Julho de 201