sábado, 17 de setembro de 2011

DE QUE MUNDO SOMOS?

Caríssimas e caríssimos,

Luísa Alvim, na carta De que mundo somos? que dirige ao pe. Valentim Gonçalves, reflecte sobre a esperança. “A esperança não é um saber que nos separa da destruição, mas sim uma estranha propriedade que ilumina o interior da alma de cada um”, escreve para sublinhar a atitude esperançosa dos nossos corações, no actual tempo do mundo.
Pela “parábola” do imigrante tailandês, que Luísa Alvim recupera de uma reportagem do jornal Público, poderemos escutar o desafio... Seremos despertados “para a não retenção do que possuímos neste tempo de crise”? E, como se reafirma nesta carta, a nossa resposta não pode ignorar: “Nasce-se com a esperança porque Deus assim sonhou para nós”.

Com estima fraterna,

grão de mostarda

Pedimos desculpa, particularmente à Luísa Alvim e ao pe. Valentim Gonçalves, pelo atraso na publicação desta carta, enviada no passado dia 12.

Luísa Alvim, cristã empenhada na paróquia católica de S. Victor, em Braga – os seus “diários” da catequese no Facebook constituem verdadeiras parábolas sobre o Amor Infinito --, é também membro do Metanoia – movimento de profissionais católicos. Técnica superior (área de Biblioteca e Documentação), na Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão – actualmente a trabalhar na Casa de Camilo - Museu e Centro e Estudos –, diz-se uma “sonhadora do impossível”.
Valentim Gonçalves é pároco da comunidade católica de S. Pedro do Prior Velho, desde a sua constituição como paróquia, em Outubro de 1999. Porém, a população do Prior Velho (concelho de Loures) já conhece este missionário do Verbo Divino desde há duas décadas, quando começou a empenhar-se no serviço aos moradores da Quinta da Serra – bairro ilegal, constituído maioritariamente por imigrantes africanos. Vice-provincial da sua congregação e membro da Comissão de Justiça e Paz dos Institutos Religiosos, ainda desenvolve trabalho na antiga Quinta do Mocho (actual Terraços da Ponte, em Sacavém), igualmente habitado por uma imensa população de imigrantes africanos.



Carta de Luísa Alvim para Valentim Gonçalves


Viva caríssimo Valentim!

Ficou a reverberar na minha mente a tua preocupação de construção do reino de Deus feita através do movimento revolucionário da partilha. Falas deste verdadeiro e único milagre ao alcance do homem, referes o evangelho de Mateus 1, a multiplicação dos pães e dos peixes, e despertas-nos para a não retenção do que possuímos neste tempo de crise.
O nosso maior tesouro, o tesouro do interior da nossa alma, deverá ser dádiva e partilha de esperanças várias pelos outros. No começo, há a esperança, anterior à nossa fé e à vivência do evangelho. É uma disposição interior e uma atitude face à vida que sobrevive ao tempo, ao desmoronamento das certezas, é ela que nos permite enfrentar a vida quando o amor nos abandona, ou quando pressentimos a miséria e a pobreza no mundo, nas pessoas e nos acontecimentos. Nasce-se com a esperança porque Deus assim sonhou para nós.
A grande utopia poderá ser fazer sentir aos outros as delícias desta espera tranquila e colocar em nome próprio a ação de transformar a humanidade num lugar de esperança. Um lugar que só pode ser purificado com o olhar do evangelho. É olhar a vida como um território belo e fértil, que também possui abismos, porque é assim a vida de todos nós, um lugar plural, sem esperanças vazias, preenchido pela única esperança: a do evangelho.
A nossa vida é cruzada por momentos desesperados e negativos, e a crise está a tornar-se a condição do mundo. As ruínas são os buracos negros e as desgraças dos outros, o desespero dos amigos, a doença dos nossos familiares e amigos, o sofrimento no mundo. O que me separa desta destruição?
A esperança não é um saber que nos separa da destruição, mas sim uma estranha propriedade que ilumina o interior da alma de cada um.
O grão de mostarda, na última carta que nos dirigiu, interpelava-nos a olhar os sinais de esperança neste tempo novo, como alimento para firmar a nossa confiança, e ainda nos apresentou o desafio do sonho plural.
Li recentemente uma reportagem sobre imigrantes tailandeses em Portugal, que trabalham na agricultura, em que à pergunta do jornalista "sonhos para o futuro?", um tailandês respondia 2 "ainda não sonhei. Para já, só quero mandar dinheiro para comprar um trator e ajudar a família."
Acredito que esta resposta tão objetiva e humilde, onde a própria existência do sonho é negada pelo tailandês, faz parte também das nossas preocupações e dos nossos sonhos evangélicos para o futuro, onde o trator nos relança para o semear do reino, para a agricultura na nova terra e do novo céu, para o jubilar os que estão vivos nesta família universal. Este imigrante tailandês sonha um mundo novo, na sua simplicidade e pobreza.
Sonhemos a deslocação e o movimento gerador desta vida, com ou sem tratores, com ou sem dinheiro, mas acreditando que ao carregar com o peso das coisas as podemos transformar em coisas boas 3.
De que mundo somos? Somos do mundo dos que caem e ressuscitam todos os dias? Dos que se deslocam? Dos que imigram? Dos que cultivam? Dos que ajudam e partilham?

Abraço fraterno,
Luísa Alvim, que deseja que o mundo seja cada vez mais esperançoso

[1]1 Mateus 14, 13-21
2Pública, 28 agosto 2011
3Etty Hillesum. Diário: 1941-1943, Assírio & Alvim, 2009


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