quarta-feira, 28 de setembro de 2011

ESCUTAR A VIDA

Caríssimas e caríssimos,

O poder, na perspectiva do projecto anunciado por Jesus é o serviço. Adérito Marcos na sua reflexão de Escutar a vida designa-o de grande poder, em oposição ao pequeno poder: “um poder exercido, sem paz interior, em busca de uma satisfação perniciosa, sempre efémera e passageira, construída na supressão da dignidade do outro”.
Nos “momentos escuros” da Humanidade acentuam-se, muitas vezes por desespero, gestos desmedidos de pequenos poderes, esquecendo que somente a alternativa do serviço – o grande poder – torna possível um “tempo de confiança”. A propósito, o monge beneditino Anselm Grün escreve: “Só então entraremos em harmonia connosco próprios, uma vez que a decisão pelo mal acaba por nos prejudicar a nós próprios…” (1).

(1) Anselm Grün, O livro das respostas de Anselm Grün, Paulinas, 2008

Com estima fraterna,
grão de mostarda




Dos pequenos poderes despóticos fontes de sofrimento



 
      “O poder só faz sentido se for para servir”


 Num mundo norteado pela busca do sucesso profissional, das conquistas pessoais em carreiras ditas de prestígio e de todas as ambições e vaidades, pequenas e grandes, deparamo-nos, quantas vezes com a prática dos pequenos poderes despóticos, que se instalam como doença má no seio das organizações. O pequeno poder, contrariamente ao grande poder, actua primordialmente na sombra, não se exprime directamente, mas insinua a ameaça, e retira prazer humilhando o próximo, especialmente aqueles mais vulneráveis. É um poder exercido, sem paz interior, em busca de uma satisfação perniciosa, sempre efémera e passageira, construída na supressão da dignidade do outro, num despotismo que um ego excessivo impõe. O pequeno poder não tem paciência, exige resposta imediata. Não sabe ouvir, nem escuta nunca, a não ser ao seu ego. Não reconhece dignidade ou valor no outro, mas apenas o defeito e o erro. Não tem autoridade, mas autoritarismo. Não procura consensos, mas a divisão para dominar. Não tem qualquer laivo de autocrítica, pois considera-se perfeito ou em vias de o ser. E havendo falha ou dolo, a culpa é sempre do outro. Não tem tempo, pois está sempre atrasado.

O pequeno poder causa dor, mas cultiva a insensibilidade. Sabe rodear-se de almas tíbias que o apoiam, invejam-lhe o lugar e o poder. E não raras vezes, o pequeno poder trabalha incansavelmente, assumindo muitas e mais exigentes responsabilidades, ambicionando o apreço de superiores hierárquicos na ânsia de aumentar o seu poder e domínios.

O pequeno poder anseia sempre subir mais alto na escala do poder. Chama-lhe carreira. E rodeia-se de troféus, títulos e prestígios, objectos e bens materiais que apresenta como prova da vantagem desse poder. Para o pequeno poder, até a família, se existir, constitui um troféu que se coloca na prateleira. O pequeno poder não serve, serve-se. O pequeno poder gera a solidão, e tendencialmente, a tristeza.

O irmão ou a irmã que exerce o pequeno poder está em guerra com os outros, mas sobretudo consigo próprio. Estando necessitado(a) de amor, atrai para si e para os outros o sofrimento, o medo e a indiferença. Não raras vezes, também a morte espiritual e a física. Trata-se de irmãos/irmãs em real perigo de morrerem para sempre para a felicidade e para a vida. Aqueles que forem capazes de abrir o seu coração irão apercebendo-se da futilidade profunda da guerra em que as suas vidas se transformaram. 

É interessante como Jesus, mais uma vez nos dá o remédio fenomenal para o perigo dos pequenos poderes, que podem nascer nas pequenas comunidades e destrui-las. Ele, sendo o Mestre, lavou os pés aos seus discípulos, um acto próprio de um escravo ou serviçal. E recomendou, “Ora se eu, Senhor e Mestre, vos lavei os pés, vós deveis, também, lavar os pés uns aos outros” (1). Isto é, que ninguém se imponha ao seu irmão, mas que o sirva sempre. Jesus ensina-nos o óbvio, mas afinal uma verdade eterna: o poder só faz sentido no Reino do Amor, que cada homem e mulher anseiam no seu íntimo, se for para servir. E se todos servirmos, o pequeno poder não terá lugar em nós.

(1)     João (13,14)

Adérito Marcos
43 anos,  irmão leigo membro da Paróquia S. Tomé, da Igreja Lusitana Católica Apostólica Evangélica – Comunhão Anglicana, Castanheira do Ribatejo; membro do grão de mostarda/comunidade fraterna de reconciliação; licenciado e Doutorado em Engenharia Informática, agregado em Tecnologias e Sistemas de Informação, professor associado da Universidade Aberta.
Contacto: aderito.marcos@gmail.com

•Foto: A primavera, grão de mostarda

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