sábado, 7 de junho de 2014

ESCUTAR A VIDA



Caríssimas e caríssimos,

Susan aprendeu a ter uma atitude positiva perante a Vida. Não permitiu que a fragilidade humana a aprisionasse; abriu-se à bondade, usufruindo do amor de Alan e de cada momento vivido… Com uma singeleza profunda, Ricardo Brochado dá-nos a conhecer duas pessoas que sabem Escutar a Vida (ver ANEXO).

Fraternalmente,

grão de mostarda



UMA VIDA COMPLETA…



Num dia do passado recente, numa das minhas obrigações (prazeres) pessoais, estive a acompanhar um casal britânico dos seus setenta anos no Parque Nacional Peneda-Gerês. No momento em que os conheci, percebi que não eram pessoas comuns. O homem perguntou-me imediatamente se tinha sentido de humor, porque se não o tivesse, podia-me ir embora.

Respondi que não tinha e rimo-nos todos.

Não queriam pessoas sisudas na sua Vida, para isso já bastavam os jarretas dos amigos e alguns familiares.
Mostrei-lhes o Gerês e logo de manhã fizemos o teste de esforço. Susan, assim era o nome dela, tinha alguns problemas de saúde, incluindo joelhos e ancas frágeis, e pouca força muscular. Fomos devagarinho, por um trilho que estou habituado a fazer com pessoas cheias de sangue na guelra, e pulmões saudáveis. Nada de muito exigente, mas para aquela senhora seria uma grande conquista.

Quase a chegar à zona final do trilho encontrámos um prado junto a um ribeiro e ela, voluntariamente e com uma sageza que lhe provém da experiência, diz-me para continuarmos os dois que ela ficava ali sentada a apreciar a natureza.

Eu e o Alan descemos até ao terminus da caminhada, e voltamos… E ela lá estava, de sorriso nos olhos. Sentada na toalha que lhe tinha deixado, explicou-me que a imobilidade lhe revelara muitos segredos: as imensas quantidades de flores silvestres e ervas diferentes que a rodeavam, os insectos que se alimentam nelas, o barulho das águas do ribeiro e com um pouco mais de atenção a variedade de pássaros diferentes que ouvira cantar.

Perguntei-lhe se estava bem; respondeu-me que aqueles dez minutos ali lhe tinham carregado a alma de sensações necessárias, que já tinha o dia completo independentemente do que fizéssemos durante o dia.
Momentos antes, eu e o Alan, diante de uma vista maravilhosa de quedas de água que descarregam as águas do Rio Arado de alturas de mais de seis metros, em sucessivos níveis, partilhávamos o valor destas experiências para todas as pessoas. Que mesmo com setenta anos valia sempre a pena.

Tinham morado em cinco países diferentes durante a vida, estavam juntos há mais de cinquenta, e que o tempo deles estava a acabar.

Susan tem uma doença terminal e restam-lhes, aos dois, poucos dias juntos, revelou-me com as lágrimas escondidas pelos óculos de sol.

Ricardo Brochado


Foto: Rio Arado (Gerês)

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