segunda-feira, 30 de novembro de 2015

ESCUTAR A VIDA



Caríssimas e caríssimos,

“O racismo inconsciente, inoculado, absorvido, paternalista (…) exige uma luta consciente e constante”. O ESCUTAR A VIDA desta semana, escrito por Natalia Fernandez remete-nos para um olhar no tempo oportuno, e tantas vezes descurado: o dito e o feito no quotidiano para com aqueles a quem não se lhes reconhece dignidade, os imigrantes.

Natalia, galega a viver em Santiago de Compostela, é companheira na descoberta de caminhos de amabilidade comprometida, juntamente com outros amigos espanhóis e portugueses.

Com estima fraterna,

grão de mostarda


ACTO 1º:

“ELA ENTROU EMPURRANDO O CARRINHO DO BEBÉ. Sentou-se numa cadeira. Aguardava para falar com os funcionários da recepção do centro de saúde. O bebé chorou e ela preparou um biberão fazendo malabarismos para segurar o bebé enquanto preparava o biberão, o leite e o termo... Pensei em ajudá-la, mas ao mesmo tempo, como ela estava a gerir bem a situação, pensei que a poderia incomodar. Pareceu-me desvalida, pequena, necessitada, só..., ainda que nada havia no seu comportamento que justificasse estes adjectivos. Chegou a enfermeira da recepção. Era uma pessoa solícita, amável. A mulher chegara tarde: ‘Se tivesses de apanhar um avião, de certeza que não o perdias.’ Eu também chegara tarde, menos, mas tarde: quando tens um bebé há dias imprevisíveis. Comigo foi amável, solícita. Talvez a outra não fosse pequena nem desvalida, mas simplesmente negra.”

ACTO 2º:

“O LOCUTOR COMEÇOU A DIZER: ‘Ao longo da tarde realizaram-se trabalhos para resgatar 20 pessoas...' . Agucei o ouvido, que aconteceu? O mundo está muito violento, que aconteceu com essas pessoas? Imaginava uma tragédia: gente diversa, altos, baixos, louros, morenos, homens, mulheres, as suas roupas molhadas, a escapar de alguma desgraça. ‘...Nas águas das Canárias. As pessoas resgatadas viajavam numa pateira juntamente com outras...', e logo os imaginei negros, com roupas simples, meio afogados... A outra locutora continuou: ‘Quarenta imigrantes viajavam...' Agora já tudo era coerente... O uso e abuso intencionado da linguagem fez com que, na minha mente, os imigrantes deixassem de ser pessoas. O locutor estava a fazer uma revolução, isso teve de que ser um acto consciente para devolver o ser pessoa a quem nunca deixou de o ser.”

EPÍLOGO:

“O racismo inconsciente, inoculado, absorvido, paternalista ou não... inaceitável, exige uma luta consciente e constante para devolver o que roubamos, além do que já foi roubado,  às despossuídas e aos despossuídos do mundo: a dignidade de ser o que são.



Natalia Fernandez

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