Caríssimas
e caríssimos,
como
esquecemos tão facilmente o assombro que é o “estarmos a viver”? E quantas
vezes permitimos que pequenas dificuldades do quotidiano nos retirem a
consciência da gratuidade da vida? Estas interrogações tomaram conta dos nossos
corações quando chegou à comunidade o mail de uma amiga a convidar-nos a ler o
«processo de luta» da Susana Monteiro, escrito na primeira pessoa.
Não
conhecemos a Susana Monteiro; foi-nos apresentada, através deste seu texto,
pela Emília Pinto, que integra a equipa de amigos que escreve no grão de
mostarda, e que em comum vive o mesmo problema de saúde da Susana.
“Todas
as experiências são válidas e importantes, só temos que aprender a tirar o
melhor partido delas.” A frase expressa o mais profundo do caminho que a Susana
realizou na descoberta do essencial da vida… porque o AMOR esteve/está sempre
presente. (ver ANEXO)
Fraternalmente,
grão de mostarda
Uma verdadeira boa notícia!
A minha experiência e o meu
sentimento deviam ser iguais ao de milhões de pessoas que passam por situações
semelhantes. Depois do primeiro diagnóstico, em 2002, – tensão ocular alta-
Glaucoma bilateral congénito – pensei, comigo vai SER DIFERENTE. Eu não faço
mal a ninguém, faço a minha vida e não prejudico os outros, não há motivos para
que o pior me aconteça: a cegueira. Mas não foi assim! A partir de 2009 tudo se
começou a desenrolar e as dificuldades causadas pela baixa visão começaram a
bater à porta…
Depois de muitas cirurgias e de
muitas medicações, depois de muitas opiniões, umas mais esclarecedoras do que
outras. Depois de muita angustia, depois da rejeição, depois do sentimento de
incapacidade e inutilidade, depois do porque a mim, depois de não ter
força/coragem para abrir os olhos de manhã e encarar mais um dia, de toda a
gente ter uma “vida normal”, ter um trabalho, ser autónomo e independente e eu
não. Depois da discriminação/rejeição do estorvo, da preguiça e do “encosta
para o lado” no trabalho: sim porque apesar de tanto se falar em integração, em
igualdade eu senti a discriminação e senti-me um problema que tinha que ser
resolvido a todo o custo. Depois de vermos toda a nossa vida e tudo aquilo que
tínhamos conquistado a fugir-nos por entre os dedos por CULPA de uma doença que
não tem cura e que é difícil de controlar. Depois de muito choro, depois de
muita revolta, depois da incompreensão de alguns familiares e conhecidos (que
preferem meter a cabeça na areia e fazer de conta que o problema não existe
para não serem ou não se sentirem incomodados; sim porque é sempre mais
agradável desfrutar de coisas boas do que partilhar momentos maus). Depois da
pena por nós próprios e da pena dos outros. Depois de me sentir incompreendida,
de bater no fundo do poço e não saber qual o rumo a seguir, depois de anos de
sofrimento, dias e dias à espera de um “milagre” e à procura de respostas e
soluções que não chegam…
Depois de tantos depois… aprendi
(com ajuda psicológica) a aceitar aquilo que a vida nos dá e aquilo que a vida
nos tira. Seja bom, seja mau. Todas as experiências são válidas e importantes,
só temos que aprender a tirar o melhor partido delas. Mas não foi sozinha que o
consegui. Nesta luta tive e tenho a melhor pessoa do mundo a meu lado. O meu MARIDO.
Sempre me apoiou, sempre me acolheu, sempre me abraçou quando eu chorei, quando
eu me revoltei, quando eu o questionei porque estava comigo. Sempre tive a
mesma resposta: “Amo-te; e ouças o que ouvires gosto de ti como tu és”. Só
encontro uma explicação: uma infinita capacidade de amar e de aceitar a vida
como ela é.
Também contei com o apoio dos
AMIGOS, poucos mas bons. E de amigos dos meus amigos. Pessoas que me levaram
pela mão e que me deram a conhecer a possibilidade e as potencialidades da reabilitação,
que me apresentaram a ACAPO e o trabalho fantástico e integrador que é
desenvolvido por todas as pessoas que fazem parte desta Associação.
Embora precisasse desta ajuda há
já algum tempo, só há relativamente pouco tempo fui capaz de dar o passo e
entrar neste mundo. Tão desconhecido, tão assustador e ao mesmo tempo tão
revelador das capacidades e da verdadeira essência do ser humano. Embora seja
dos órgãos dos sentidos o mais importante, pois é aquele que nos dá mais
informação do mundo que nos rodeia, temos que aceitar e aprender a prescindir
dele. Esta nova fase da minha vida leva-me à conclusão que o ser humano não é
só olhos. Funciona como um todo, e quando alguma parte falha as outras
reestruturam-se, adaptam-se e compensam a "peça" que falhou.
A 19 de Março de 2013 (um dia
importante para mim, não só por ser o Dia do Pai, mas também por ser o dia de
anos do meu Pai já falecido) deu-se o primeiro contato, senti que estava a dar
o primeiro passo para a mudança, que começava a ter força para lutar e trilhar
um caminho na minha vida. Neste primeiro encontro, senti logo que falávamos a
mesma língua, senti-me compreendida, finalmente fui capaz de sentir que fazia
parte daquele mundo. Senti-me integrada e senti vontade de começar a
reabilitação. Mas esta vontade veio de dentro para fora, depois da fase da
revolta e da rejeição. Não vale a pena os outros dizerem que temos de ir, se
nós não o sentimos e não o queremos sentir.
Estou a reaprender a viver, a
redescobrir o mundo que me rodeia, a conhecer-me e a conhecer as minhas
capacidades. Estou a aprender a aceitar e a lidar com a minha limitação. Não é
fácil, é um caminho difícil, mas todos os dias quero acreditar que vou ser
capaz de enfrentar os meus medos e as minhas angústias. Cada dia é mais um dia
de luta, mais um dia que fui capaz de enfrentar e de ultrapassar as
contrariedades que a vida me põe. Quero ser feliz e vou conquistar a minha
felicidade, minuto a minuto, hora a hora, dia a dia. Hoje em dia o meu lema é
viver um dia de cada vez, sem pressas, sem planos a longo prazo. Tento
desfrutar das coisas boas da vida e remover as pedras, os penedos que a vida
põe no meu caminho. Estou a lutar o melhor que sei e que sou capaz…
Susana Monteiro
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