Caríssimas e caríssimos,
em “tempo de Páscoa”, a
carta de Valentim Gonçalves remete-nos para uma “esperança renovada”, nos
sinais dados pelo novo bispo de Roma. Em jeito de síntese, anota: “O Papa que
foi ‘buscado no fim do mundo’ aponta para uma geografia muito mais ampla, já
não eurocêntrica e, pela sua prática pastoral anterior, dá a entender que o
escândalo da desumanidade não nos pode impedir de sonhar com a eternidade que é
construída já a partir do aqui e agora.” (ver ANEXO)
As expectativas de
renovação que a escolha do papa Francisco desencadeou entre os cristãos
católico-romanos não são, certamente, indiferentes aos outros cristãos de outras
Tradições. O seguimento do projeto de Jesus, realizado na caminhada ecuménica,
recorda-nos que “a Igreja somos todos. E, portanto, de todos depende a tão
esperada e ansiada renovação”, como sublinhou José María Castillo no seu blogue
Teología sin censura (*), precisamente a propósito das esperanças de renovação
que a eleição do ex-arcebispo de Buenos Aires criou na Igreja Católica e no
mundo.
Com estima fraterna,
grão de mostarda
NOVAS PISTAS PARA O REINO
Estimada Luísa,
Estamos todos debaixo da pesada nuvem da crise que parece
barrar a possibilidade de uma vida alegre e confiante. O desafio a sermos, como
escreves, “plataformas de estabilidade” para os outros não nos permite desistir
nem deixar de “acreditar na humanidade”. E a fé em que nos apoiamos provoca a
esperança enquanto nos lança na caminhada fraterna com quem o Senhor coloca no
nosso caminho. E há sempre sinais dessa esperança renovada. As últimas semanas
apresentam-nos alguns no que se refere ao novo Papa. Essas forneceram-nos uma
série de emoções e expetativas, por variadas razões: umas sérias, outras
irrelevantes, algumas a raiar o folhetim descontraído e alienante. Felizmente,
para além de tudo isso, a Igreja tem um Papa que não estava alinhado nos
palpites nem nas apostas: o Papa Francisco, o irmão que tem por missão
“confirmar os seus irmãos na fé”. Isso é que é importante e aí se encontra a
essência da sua missão.
Sem fazer futurologia, reconhecemos, no entanto, alguns
sinais que apontam para o núcleo da missão da Igreja no seu contexto, que é o
mundo todo, incluindo aquilo que ele tem referido no seu discurso – o ambiente.
Começa a surgir um novo desenho da geografia da Igreja e da sua missão de levar
a vida abundante a todos, no seguimento do Mestre que veio “para que todos
tenham a vida e a vida em abundância”.
Essa “vida” que se não limita à dimensão do “depois da
morte”, mas que começa no aqui e agora, onde cada pessoa “criada à imagem e
semelhança de Deus” tem de ser acolhida e respeitada na sua dignidade; essa
vida que continua a ser violada grosseiramente pelos valores assumidos e pelas
práticas adotadas pelos poderosos, que vão conduzindo este mundo para a
desigualdade e para a negação da liberdade efetiva: no coração dos seus valores
está o lucro, o imediato, o interesse pessoal, sem olhar para a pessoa e sem
considerações de corresponsabilidade e muito menos de fraternidade. Por isso os
pequenos gestos e sinais do Papa parecem apontar para a genuína missão da
Igreja, onde “o verdadeiro poder é o serviço” e onde a “pobreza evangélica” nada
tem a ver com a pobreza crescente e escandalosa que vai ganhando foros de
cidadania, perante um aparente silêncio e resignação dos que acreditam;
aceitando-a está-se assumindo e consolidando a mentira e dando poder àquele que
é o “Mentiroso” por excelência. Por isso a evangelização não se poderá realizar
sem essa luta contra a pobreza, que é uma mentira que nega a fé; não a pobreza
das estatísticas, mas sim a pobreza das vidas espezinhadas, envergonhadas,
humilhadas e sem esperança; também a pobreza de vidas vazias, confinadas ao
imediato e ao que agrada; a pobreza que vamos notando cada vez mais à nossa
volta, apesar de contextualizados numa Europa que redigiu declarações de
direitos, que criou uma Comunidade Europeia e a seguir uma União Europeia; criou-a
para uma realidade baseada na justiça e na solidariedade, mas que agora, por
outros valores assumidos como essenciais, é incapaz de ver a humilhação e a
falta de meios para que as pessoas possam ser livres, uma vez que, para terem
um pouco de pão, se vêm obrigadas à esmola daqueles que lhe dizem o que são, o
que devem fazer e mais nada. Uma obra de domesticação perfeita, imitando bem
aquilo que o homem inteligente conseguiu fazer com os animais que hoje chama
domésticos.
O Papa que foi “buscado no fim do mundo” aponta para uma
geografia muito mais ampla, já não eurocêntrica e, pela sua prática pastoral
anterior, dá a entender que o escândalo da desumanidade não nos pode impedir de
sonhar com a eternidade que é construída já a partir do aqui e agora. A
ressurreição de Jesus é o paradigma da nova criatura e do mundo novo em que
precisamos de acreditar para assim encontrarmos a alegria de viver e de
caminhar com os outros num mundo que é a nossa casa, a casa de todos.
Uma Páscoa abençoada!
Valentim
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