sábado, 18 de maio de 2013

ESPERANÇA: CAMINHO E HORIZANTE



Caríssimas e caríssimos,

nesta sua Carta de resposta à de Luísa Alvim, Valentim Gonçalves interroga-se diante da realidade sofrida que ele pressente no quotidiano… Perguntas surgidas a partir das exigências da sua fé, vivida em Igreja, mas também germinadas na consciência do cidadão (ver ANEXO). E escreve: “A Igreja (e eu que dela faço parte) não pode contentar-se com palavras bonitas, nem sequer com o proporcionar a satisfação mínima das necessidades primárias do próximo. Com tanta gente na política e na administração qual é a força do fermento no meio da massa?”

Que fazer no espaço e no tempo em que vivemos?

Fraternalmente,
grão de mostarda

Perguntas de um crente….


Estimada Luísa,



A tua última carta* tornou mais persistente a pergunta que me persegue: diante de pessoas tão próximas e com tantas dificuldades, como é que eu e nós – os que partilhamos uma visão idêntica sobre as exigências da fé perante a realidade – podemos e devemos fazer para que algo seja diferente e o seja para melhor?


É verdade que só as palavras não bastam. Até somos capazes de organizar um estojo multifunções para enquadrar mais ou menos tudo o que se passa. Mas isso não resolve nada do que é importante para aqueles que estão carenciados de tanta coisa, a começar pelo essencial e indispensável, como é a alimentação, a saúde e afins. A Igreja tem doutrina como nenhuma outra instituição; não só em quantidade como em qualidade; não só fruto do estudo profundo e permanente das questões como ainda fruto de toda uma experiência milenar a melhorá-la e consolidá-la. Mas – e isto é que a distingue de qualquer outra instituição – porque há o tal “Paráclito” prometido que vai transformando a pessoa a partir de dentro, quando ela está aberta e disponível a interpretar os sinais dos tempos.


Continuamos com boas e sólidas doutrinas. Mas, onde está o lugar que vai sendo dado ao tal Consolador e Conselheiro? Para isso não há teorias. Só a vivência da fé. Retomo a ideia da carta anterior quando falava de alguns gestos do Papa Francisco, que nos deixam pelo menos a interrogar sobre o nosso lugar no mundo. Ele, no terceiro dia da sua diaconia de irmão mais velho, na audiência aos 5.600 jornalistas, disse que “queria ter uma igreja pobre para os pobres”. Uma igreja, interpreto eu, não de miseráveis, mas onde todos e sobretudo os sem vez nem voz têm lugar. E ainda: “Foi por causa dos pobres que pensei em Francisco”. É uma afirmação acompanhada de pequenos gestos, o que faz a novidade. Repito novidade, o que não tem nada a ver com moda; nesta conta a imagem diferente de quem a protagoniza; naquela temos o dinamismo de uma fé que exige sempre algo de novo, fruto da conversão ao projeto de Deus.


Mas continuo com palavras e assim continuo igualmente sem saber o que fazer diante das reais carências de tanta gente, que não tem o que eu tenho: a tranquilidade de uma habitação garantida, de uma alimentação assegurada, de cuidados médicos de que não preciso de fugir por falta de meios, de capacidade para me fazer ouvir pelo menos junto dos mais próximos, de não me perturbar seriamente com o futuro. Vejo os jovens, uma grande parte dos quais a quem é negado um lugar neste país e por isso penso que nada é pior do que a falta de esperança; vejo pais e mães a tentarem a missão impossível de fracionar o pouco dinheiro que têm para cobrir os encargos que carregam; vejo idosos a quem nem sequer o seu passado de luta pela vida e pela construção de uma sociedade melhor é respeitado; depois de uns anos com a sensação de que éramos europeus, constato que continuamos periféricos e desiludidos com uma solidariedade vã. Também me preocupa o debate político entre os bons e os maus, os vendedores de sonhos e os que não passam de defensores de interesses em cujo contexto os necessitados continuam a não ter lugar e a serem considerados servos de outros que jogam com as suas vidas, como por exemplo, passarem um dia numa fila da Segurança Social para no fim apenas ficarem a saber que têm que repetir o ritual trazendo mais um papel que falta num processo que se prevê interminável. A advertência aos apóstolos no monte da Ascensão “por que estais a olhar para o céu?” também é para mim. Provavelmente só uma aproximação dos mais pequeninos me trará alguma resposta a esta inquietação. A Igreja (e eu que dela faço parte) não pode contentar-se com palavras bonitas, nem sequer com o proporcionar a satisfação mínima das necessidades primárias do próximo. Com tanta gente na política e na administração qual é a força do fermento no meio da massa? O que é que o Espírito continua a dizer às Igrejas?


Hoje fico-me por perguntas. 


Fraternalmente,


Valentim


* Publicada a 23 abril passado



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