Caríssimas e caríssimos,
nesta sua Carta de resposta à de Luísa Alvim, Valentim Gonçalves
interroga-se diante da realidade sofrida que ele pressente no quotidiano…
Perguntas surgidas a partir das exigências da sua fé, vivida em Igreja, mas
também germinadas na consciência do cidadão (ver ANEXO). E escreve: “A Igreja
(e eu que dela faço parte) não pode contentar-se com palavras bonitas, nem
sequer com o proporcionar a satisfação mínima das necessidades primárias do
próximo. Com tanta gente na política e na administração qual é a força do
fermento no meio da massa?”
Que fazer no espaço e no tempo em que vivemos?
Fraternalmente,
grão de mostarda
Perguntas de um crente….
Estimada Luísa,
A tua última carta* tornou mais
persistente a pergunta que me persegue: diante de pessoas tão próximas e com
tantas dificuldades, como é que eu e nós – os que partilhamos uma visão
idêntica sobre as exigências da fé perante a realidade – podemos e devemos
fazer para que algo seja diferente e o seja para melhor?
É verdade que só as palavras não
bastam. Até somos capazes de organizar um estojo multifunções para enquadrar
mais ou menos tudo o que se passa. Mas isso não resolve nada do que é
importante para aqueles que estão carenciados de tanta coisa, a começar pelo
essencial e indispensável, como é a alimentação, a saúde e afins. A Igreja tem
doutrina como nenhuma outra instituição; não só em quantidade como em
qualidade; não só fruto do estudo profundo e permanente das questões como ainda
fruto de toda uma experiência milenar a melhorá-la e consolidá-la. Mas – e isto
é que a distingue de qualquer outra instituição – porque há o tal “Paráclito” prometido
que vai transformando a pessoa a partir de dentro, quando ela está aberta e
disponível a interpretar os sinais dos tempos.
Continuamos com boas e sólidas
doutrinas. Mas, onde está o lugar que vai sendo dado ao tal Consolador e
Conselheiro? Para isso não há teorias. Só a vivência da fé. Retomo a ideia da
carta anterior quando falava de alguns gestos do Papa Francisco, que nos deixam
pelo menos a interrogar sobre o nosso lugar no mundo. Ele, no terceiro dia da
sua diaconia de irmão mais velho, na audiência aos 5.600 jornalistas, disse que
“queria ter uma igreja pobre para os pobres”. Uma igreja, interpreto eu, não de
miseráveis, mas onde todos e sobretudo os sem vez nem voz têm lugar. E ainda:
“Foi por causa dos pobres que pensei em Francisco”. É uma afirmação acompanhada
de pequenos gestos, o que faz a novidade. Repito novidade, o que não tem nada a
ver com moda; nesta conta a imagem diferente de quem a protagoniza; naquela
temos o dinamismo de uma fé que exige sempre algo de novo, fruto da conversão
ao projeto de Deus.
Mas continuo com palavras e assim
continuo igualmente sem saber o que fazer diante das reais carências de tanta
gente, que não tem o que eu tenho: a tranquilidade de uma habitação garantida,
de uma alimentação assegurada, de cuidados médicos de que não preciso de fugir
por falta de meios, de capacidade para me fazer ouvir pelo menos junto dos mais
próximos, de não me perturbar seriamente com o futuro. Vejo os jovens, uma
grande parte dos quais a quem é negado um lugar neste país e por isso penso que
nada é pior do que a falta de esperança; vejo pais e mães a tentarem a missão
impossível de fracionar o pouco dinheiro que têm para cobrir os encargos que
carregam; vejo idosos a quem nem sequer o seu passado de luta pela vida e pela
construção de uma sociedade melhor é respeitado; depois de uns anos com a
sensação de que éramos europeus, constato que continuamos periféricos e
desiludidos com uma solidariedade vã. Também me preocupa o debate político
entre os bons e os maus, os vendedores de sonhos e os que não passam de
defensores de interesses em cujo contexto os necessitados continuam a não ter
lugar e a serem considerados servos de outros que jogam com as suas vidas, como
por exemplo, passarem um dia numa fila da Segurança Social para no fim apenas
ficarem a saber que têm que repetir o ritual trazendo mais um papel que falta
num processo que se prevê interminável. A advertência aos apóstolos no monte da
Ascensão “por que estais a olhar para o céu?” também é para mim. Provavelmente
só uma aproximação dos mais pequeninos me trará alguma resposta a esta
inquietação. A Igreja (e eu que dela faço parte) não pode contentar-se com
palavras bonitas, nem sequer com o proporcionar a satisfação mínima das
necessidades primárias do próximo. Com tanta gente na política e na
administração qual é a força do fermento no meio da massa? O que é que o
Espírito continua a dizer às Igrejas?
Hoje fico-me por perguntas.
Fraternalmente,
Valentim
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