domingo, 3 de abril de 2016

ESCUTAR A VIDA



Caríssimas e caríssimos,



poderá reflectir-se sobre a coexistência pacífica dos povos, através do olhar sobre a História de uma cidade?



Ricardo Brochado presenteia-nos com um texto que nos remete às recentes acções de terror em Paris e Bruxelas. Mas teremos de acautelar o nosso espírito. Esta reflexão, tão despretensiosa como feliz, porque não pretende ser um tratado sociológico, aponta para o essencial: onde a pluralidade habita é mais fácil coexistirem as diferenças… quer sejam políticas, artísticas, sociais, urbanísticas, culturais ou mesmo religiosas.



Fraternalmente,
grão de mostarda


DA PLURALIDADE À COEXISTÊNCIA…



TODOS OS DIAS ME INTERROGO por que razão é que o Porto é especial. Faz parte do meu trabalho tentar entender este mistério para poder transmitir de uma forma eficaz a minha paixão por esta cidade. O Porto é rico em arquitecturas, artes e gastronomias; em cores escuras e coloridas que nos tornam cinzentos em comparação com cidades mais a sul. Somos charmosos dentro da rudeza granítica que nos envolve, e disfarçamos com o excesso de azulejos a sensibilidade que nos aproxima do resto dos seres humanos, das culturas, das religiões, de nós.


Embora se diga que os muçulmanos ocuparam o Porto no passado, é falso e temos pena. Seríamos culturalmente mais evoluídos, se tivéssemos tido uma influência mais activa desses "mouros", como de brincadeira apelidamos todos os habitantes além-Douro. No entanto, fomos muito influenciados por comerciantes judeus, por ingleses protestantes, por franceses liberais, por "loucos" (leia-se esclarecidos) imperadores brasileiros e por escritores romântico/realistas que continuaram a promover um espírito pelo qual nos diferencia do resto do País.


Não quero com isto dizer que no Porto somos melhores que o resto de Portugal. Cada qual tem as suas qualidades, as quais gosto de apreciar, saindo do Porto. O que quero dizer é que, até hoje, temos uma regra, que embora não esteja escrita, está no ADN de quem cá vive, e entra na corrente sanguínea de quem cá se instala por opção: devemos integrar e integrar-nos.


A HOSPITALIDADE PORTUENSE é como um vírus que se propaga facilmente e, se sabemos receber bem, quem se integra, passa a agir como quem o recebeu de braços abertos. A História diz-nos que não interessa a religião, a nacionalidade, a cor, o clube, o partido político, a orientação sexual - se nos ajudarem a ser maiores e melhores não interessa nada. 


A título de exemplo, muitos judeus foram protegidos da Inquisição (escondidos à vista); os franceses, que nos invadiram 3 vezes, receberam o nosso apoio incondicional na Primeira Guerra Mundial. Somos considerados uma cidade Gay-friendly, enquanto os partidos políticos apoiam a recandidatura do independente Rui Moreira. 


No Porto não existe “Chinatown”, bairros africanos, ou indianos. Mas numa mesma rua, há uma igreja cristã, uma sinagoga e o colégio Alemão, que já coexistiam no decurso da Segunda Guerra Mundial.

Pensei, esta semana, como seria se houvesse um atentado no Porto... 


E continuei a pensar, concluindo que há extremismos deste tipo onde não há hospitalidade, integração; onde as pessoas são postas de parte, olhadas de lado ou colocadas em ghettos. Acontece porque não entendemos a diferença de opiniões, crenças, opções. 



…Fico mais descansado.



Ricardo Brochado




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