Caríssimas e caríssimos,
Na reflexão ESCUTAR A VIDA desta semana,
Paulo França faz eco de muitas das discriminações feitas à comunidade
imigrante… Dos contrastes de comportamentos e das dores que os comportamentos xenófobos
provocam. Antes, leva-nos ao tempo em que Portugal era um país de emigrantes
(não deixando de ainda de o ser), gente em busca de “espaços de sobrevivência”,
como acontece a todo o ser humano que sai da sua terra.
Com estima fraterna,
grão de mostarda
Discriminações I I
Xenofobia/Racismo/Multiculturalismo
Ao longo da minha vida, tenho acompanhado crianças,
adolescentes, jovens e adultos lusos e estrangeiros de diversas origens,
sobretudo no ensino público e privado e nos serviços que, em Portugal, têm tido
como áreas de intervenção o acolhimento e integração das comunidades migrantes,
assim como a gestão pedagógica da educação multicultural no sistema educativo
português.
A dificuldade que as
pessoas têm em lidar com imigrantes de etnias e culturas diferentes é uma
realidade muito portuguesa. Sendo a comunidade brasileira a maior comunidade
imigrante em Portugal, não deixa de ser curioso o facto de haver pouca
facilidade em olharmos os brasileiros como falantes da mesma língua que é a
nossa. A identidade de um povo define-se também pela sua língua oficial. Não é
fácil perceber por que razão o povo português denomina a língua oficial do
Brasil por “brasileiro”, tendo em conta que o cidadão comum brasileiro assume
naturalmente, na sua identidade, o português como a sua língua materna. No
Reino Unido, lugar onde vivi uma curta experiência de migrante durante seis
meses, a música oriunda dos EUA é categorizada como música inglesa. Ali
assume-se que a música originária dos países falantes de inglês é música
inglesa. Entre nós, nas lojas que vendem audiovisuais de música, a música feita
no Brasil, ou noutros países de língua oficial portuguesa, é subcategorizada
como música brasileira, não se assumindo o português no seu todo, de forma
global nas suas diversas variantes. Isto significa que os portugueses não
integram na sua identidade, como povo, o Brasil como um país falante de língua
portuguesa, mesmo sendo até o país com maior número de falantes de português no
Mundo, e que muito tem feito pela difusão da nossa língua, não só através da
ficção audiovisual, mas também, e sobretudo, pela Bossa Nova que catapultou
definitivamente o português para o mundo do Jazz e Swing anglo-saxónicos,
permitindo até a criação de retroversões para inglês de muita poesia escrita e
cantada originalmente em português.
Portugal sempre foi um país de emigrantes.
Exportar populações foi uma necessidade dos próprios descobrimentos e
consequente colonização dos diversos territórios que foram parte do império
português, servindo as pessoas não só de mão-de-obra para o desenvolvimento
económico e comercial, mas também para a reprodução, com vista ao aumento da
população, em termos demográficos. Ao longo dos séculos, a emigração
manteve-se, mesmo após a independência do Brasil e a conquista da democracia em
1974. Nos nossos dias, por razões raras vezes honrosas e boas, muitos
portugueses continuam a sair de Portugal, não só para algumas ex-colónias, mas
sobretudo para destinos historicamente preferenciais como a França, Alemanha,
Suíça, Espanha e Reino Unido, não sendo de esquecer alguns países da América do
Sul e da América do Norte.
Sobremaneira a
partir da década de 90 do século passado, Portugal tem registado o acolhimento
de imigrantes de diversas origens em busca de uma vida melhor, de trabalho e de
dignidade, tal como nós portugueses fizemos e continuamos a fazer. A maior
comunidade imigrante actualmente é a brasileira. E a discriminação começa pela
não assunção, por parte dos portugueses, da língua oficial do Brasil como uma
variante do português europeu, continuando na imagem social que os portugueses
têm, enquanto sociedade de acolhimento. Ocorrem comentários: os imigrantes vêm
tirar trabalho aos portugueses que cá vivem, que os brasileiros vêm todos das
favelas, que são todos falsos, vigaristas e ligados à “indústria sexual”. Quero
aqui assumir que sou filho de pais que foram imigrantes no Brasil, irmão de
dois irmãos que nasceram no Brasil, bisneto de um tio-avô que viveu e morreu no
Brasil e primo em segundo grau de brasileiros.
Eu próprio tive uma curta experiência de
imigrante. Senti, muitas vezes, vergonha de me juntar a outros portugueses
imigrantes, devido ao seu comportamento social com hábitos de alcoolismo e
consequentes desacatos e provocação pública. Recordo-me que numa tarde de
Outono, quando circulava numa avenida central da cidade onde vivia, fui
interceptado por uma jovem britânica que, juntamente com outras, fazia
inquéritos de rua à população que por ali circulava. A jovem perguntou-me então
a minha nacionalidade, quando pronunciei que era português, a mesma jovem
virou-me as costas. Mais tarde percebi que muita gente daquela cidade tinha uma
imagem pouco abonatória dos portugueses, associando-os aos comportamentos
referidos e à burla. Infelizmente, essa imagem social tinha algum fundamento. O
menos bom disto de tudo é a generalização que me incluiu somente por ser também
português.
Em relação às outras
comunidades imigrantes, a segunda mais representativa é a ucraniana. Pela
fisionomia e comportamento social, integrou-se facilmente. Até porque se trata
de gente que veio de regimes autoritários e inflexíveis. Este facto resultou que
esta gente tenha aceitado facilmente as exigências dos patrões em Portugal.
A comunidade
cabo-verdiana tornou-se na terceira comunidade imigrante mais representativa
entre nós. Geograficamente mais próxima de nós, também com grandes afinidades
culturais connosco. Todavia, coincide, nesta comunidade, muitos casos de
exclusão social que desembocaram em comportamentos dissociais de crimes e
violência social suburbana. Esta comunidade, há 10 atrás, queixava-se, junto
dos serviços de acolhimento e imigração, ter sido esquecida e maltratada pelo
Estado português. Seguem-se os angolanos, moçambicanos, guineenses. Menos
representativos entre nós, se comparados com os de Cabo Verde.
Depois vêm os chineses, muito associados à restauração e
comércio. Pouco sociáveis com a sociedade de acolhimento, raramente se esforçam
em falar português.
E, por último, temos comunidades de origem indiana,
paquistanesa, filipina, entre outros. Em regra, estas comunidades também não
socializam com a sociedade de acolhimento, trabalham nas obras, no comércio,
serviços e restauração.
Pela experiência que
tenho, do “vox populi”, muitos professores, por exemplo, que trabalham na Grande
Lisboa, revelam ser racistas de forma latente, queixando-se do cheiro do suor
dos africanos, da falta de higiene. Na Primavera de 2011, conheci um jovem de
origem africana que sofria imenso por a família da namorada não aceitar que ela
tivesse um namorado “preto”. Estamos no séc. XXI. Estas coisas ainda sucedem,
mais do que possamos pensar. No nosso sistema educativo continua a fazer muita
falta a educação multicultural, a integração da diversidade étnica e cultural
nas abordagens pedagógicas, à semelhança do que aconteceu nos EUA e noutros
países que entenderam ser os imigrantes parte integrante do seu desenvolvimento.
Nas escolas portuguesas continuam a haver professores que falam em “catinga” e
“pretos” e associam as mães brasileiras, encarregadas de educação dos nossos
alunos, à prostituição. Persiste, portanto, uma grande dificuldade em lidar com
a diferença e em ver na diversidade uma riqueza social, cultural e humana.
Somos ainda etnocêntricos, pouco abertos aos outros. Lembro-me que há dez anos
atrás, morava no Rossio, em Lisboa. No meu prédio, habitavam imigrantes de
origem asiática e sul-americana. Recordo-me que, no início, aquela gente
revelava um comportamento social pouco simpático, devido ao facto de estarem em
choque cultural com a sociedade de acolhimento. Ajudou-me, ao tempo, o facto de
estar a estudar educação multicultural na faculdade e de trabalhar no Alto
Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural. Não se pode entender
educação multicultural sem perceber primeiro a origem dos fluxos imigratórios
que compõem as populações-alvo. Sei que há quem considere um timing de três anos
para os imigrantes deixarem o choque cultural e mudarem o seu comportamento de
forma natural. Foi exactamente o que sucedeu naquele prédio. Somos também
esquecidos, porque nos esquecemos que muitas gerações de emigrantes portugueses
sofreram e sofrem ainda hoje a exploração, discriminação e a humilhação no
trabalho lá fora. Talvez andemos adormecidos. De facto, somos ainda, e muito,
um país de emigrantes. A melhoria das condições de vida do Portugal democrático
não se registou tão integradora do seu povo como era expectável, nem sequer no
contexto político da União Europeia. Há poucos anos, já tínhamos um êxodo de
portugueses para o estrangeiro ao nível do tempo do Estado Novo.
Vamos parar para
pensar e olhar para o chão que pisamos e tentar perceber quem asfalta as nossas
estradas, olhar para cima e perceber quem constrói as nossas pontes (muitas
vezes com o sacrifício da própria vida em graves acidentes de trabalho),
viadutos, prédios, quem nos serve melhor à mesa, quem limpa os ministérios, os
bancos, os hospitais, etc. Porém, ninguém gosta de ser discriminado.
Continuamos a não amar os outros como a nós mesmos e a não conseguir olhar os
asiáticos, os sul-americanos, os africanos como seres humanos e centramo-nos na
sua etnia, língua, país, religião. No meu dia-a-dia, continuo a defender esta
gente porque sei que a tendência natural do ser humano, em qualquer parte do
globo, é entender-se, independentemente da língua, da etnia, da nacionalidade,
do género, das opções políticas e da orientação sexual. Além disso, estou
convencido que o nosso país tem evoluído muito graças à vinda e permanência dos
imigrantes, não só económica, mas também social, cultural e humanamente. Sabe-se
que o futuro económico e demográfico da Europa depende muito desta gente,
porque a população europeia envelheceu e, como não nascem crianças em número
suficiente, falta população em número suficiente no Velho Continente.
Paulo França
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