sábado, 12 de novembro de 2011

DE QUE MUNDO SOMOS?

Caríssimas e caríssimos,


No final da carta de resposta ao pe. Valentim Gonçalves (1), Luísa Alvim escreve: “Estas nossas cartas são uma oportunidade para refletir sobre o mundo em que vivemos, sobre a civilização que estamos a fazer ou a deixar de fazer, e sobre o papel da Igreja, que gostaria que estivesse incluída na Criação. Mas o assunto é para todos nós que aqui vivemos e queremos continuar a viver, não é exclusivo da Igreja. De que mundo somos? Pergunto-me sempre quando escrevo aqui”.

E para onde nos encaminha esta interrogação? Retomamos as palavras de Luísa Alvim: “não há fins de linha, não há maus cenários económicos, crises que não suportem a coragem dos destemidos da fé, que lutando pela justiça, rezando, não se impedindo de falar de forma consistente e perseverante, assumem uma nova experiência missionária em tempo da Troika!”. Uma “experiência missionária” que nos remete para o essencial, permitindo-nos um viver livre, não constrangido pelas fatalidades forjadas pelos rostos opacos dos “mercados”.   

Neste “tempo da Troika” reconhece-se a contemporaneidade das palavras do irmão Roger: “Pressentes isto? Luta e contemplação têm uma única fonte: Cristo, que é amor. Se rezas, é por amor. Se lutas para dar um rosto humano ao homem explorado, é também por amor” (2).

Com estima fraterna,
grão de mostarda

(1) A carta do pe. Valentim foi aqui publicada dia 20 de Outubro.
(2) Viver para amar – palavras escolhidas, Paulinas, Agosto 2010


Luísa Alvim, cristã empenhada na paróquia católica de S. Victor, em Braga – os seus “diários” da catequese no Facebook constituem verdadeiras parábolas sobre o Amor Infinito --, é também membro do Metanoia – movimento de profissionais católicos. Técnica superior (área de Biblioteca e Documentação), na Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão – actualmente a trabalhar na Casa de Camilo - Museu e Centro e Estudos –, diz-se uma “sonhadora do impossível”.

Valentim Gonçalves é pároco da comunidade católica de S. Pedro do Prior Velho, desde a sua constituição como paróquia, em Outubro de 1999. Porém, a população do Prior Velho (concelho de Loures) já conhece este missionário do Verbo Divino desde há duas décadas, quando começou a empenhar-se no serviço aos moradores da Quinta da Serra – bairro ilegal, constituído maioritariamente por imigrantes africanos. Vice-provincial da sua congregação e membro da Comissão de Justiça e Paz dos Institutos Religiosos, ainda desenvolve trabalho na antiga Quinta do Mocho (actual Terraços da Ponte, em Sacavém), igualmente habitado por uma imensa população de imigrantes africanos.



Carta de Luísa Alvim para Valentim Gonçalves

Viva caríssimo Valentim!

Na tua última carta, gostei de ouvir narrar as “fundações” da tua vida, do desafiante fundador da Sociedade do Verbo Divino, Arnaldo Janssen, até à tua atual comunidade de Terraços da Ponte, que revela um particular aspeto missionário das tuas tarefas, que é a confiança num Todo mais poderoso que o dinheiro. Portanto, não há fins de linha, não há maus cenários económicos, crises que não suportem a coragem dos destemidos da fé, que lutando pela justiça, rezando, não se impedindo de falar de forma consistente e perseverante, assumem uma nova experiência missionária em tempo da Troika! 


Mas teremos, à nossa volta, nas paróquias ou fora delas, uma Igreja dos pobres? Uma Igreja que reivindique e nos disponha na força evangélica? 


Se contemplarmos a produção editorial da hierarquia da Igreja Católica, ficamos assoberbados com tanta carta pastoral, constituições, encíclicas, mensagens, e documentos sobre ação social da Igreja, ao longo dos últimos anos, mas não encontramos correspondência total desta doutrina social no serviço à comunidade (não esquecendo os fabulosos e milagrosos serviços que se efetuam por todo o mundo, fruto daqueles que multiplicam o Evangelho!).


O recente documento “Serviços paroquiais de ação social para uma cultura da dádiva : Indicações práticas[i] da Comissão Episcopal da Pastoral Social (de 14 Setembro 2011), é uma excelente plataforma para começar a trabalhar, pois aponta orientações estratégicas, princípios operacionais, recomendações muito práticas às paróquias, sugerindo a ideia de que “a criatividade do amor aplicará, em cada circunstância, os apelos do Mestre. Quebrar rotinas, afastar obstáculos, envolver novos elementos, convocar as comunidades à volta de vias simples e eficazes do bem será serviço à cultura da dádiva.”


Na vida eclesial não se responsabiliza as dioceses, as paróquias por um trabalho sério de criação de medidas concretas que permitam, no futuro, “fiscalizações” e responsabilização das comunidades católicas.


Interrogo-me, se a minha paróquia, em que dedico algum tempo à catequese, já se debruçou sobre as questões levantadas por este serviço de dádiva, que se quer atual e bem direcionado à comunidade. E o que fiz eu por isso? Que contemplação difícil! Jesus tem que ver com a ação, com a forma como gerimos o nosso dinheiro e o dinheiro comunitário. Não podemos ignorar o sistema económico, a forma como trabalhamos e ganhamos os nossos rendimentos.

Somos (sou!) cristãos silenciosos, que nas eucaristias ficámos calados e pacificados, e nos adros das igrejas falámos das novidades paroquiais e pouco mais. Somos uma Igreja espiritual que não quer saber de orçamentos paroquiais e dos economatos das nossas dioceses! Não queremos saber, ou não nos deixam saber, do que se faz e do que se pode fazer com os orçamentos paroquiais! Ou só nos interessamos pelo Orçamento de Estado 2012, que nos tira subsídios e vencimentos? 



Estas nossas cartas são uma oportunidade para refletir sobre o mundo em que vivemos, sobre a civilização que estamos a fazer ou a deixar de fazer, e sobre o papel da Igreja, que gostaria que estivesse incluída na Criação. Mas o assunto é para todos nós que aqui vivemos e queremos continuar a viver, não é exclusivo da Igreja. De que mundo somos? Pergunto-me sempre quando escrevo aqui. Como diz Anselmo Borges, temos que ir de Jesus a Jesus Cristo[ii]. Isto para mim é o central, qualquer resposta passará por aqui.

Gostaria que fossemos cidadãos transformadores, preocupados com estas questões, geradores de riqueza para os outros. Gostaria que fossemos “biocristãos”, interessados por dar uma vida melhor aos companheiros no nosso mundo pequeno.

Abraço fraterno,


Luísa Alvim, que deseja que o mundo seja cada vez mais biocristão.

Foto: © Taizé

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