domingo, 6 de setembro de 2015

ESCUTAR A VIDA



Caríssimas e caríssimos,



O menino sírio Aylan tinha três anos, o seu irmão, Galip, cinco anos, e a mãe, Rehana, 35 anos. Os três morreram ao tentar chegar à Grécia.

Ricardo Brochado, na reflexão ESCUTAR A VIDA desta semana, faz memória do pequeno Aylan. Recordando que agora os responsáveis políticos da Europa discutem o acolhimento dos refugiados como se de “quotas leiteiras” estivessem a tratar...



A família de Aylan tentava escapar do horror de uma guerra que entre as organizações internacionais, como a ONU ou a União Europeia, parece ser ignorada…

Em rigor, o que a União Europeia está agora a concertar, com vista ao acolhimento destes refugiados (e não imigrantes como se lhes referem os políticos), apenas como reacção ao que, até ao momento, tentaram a todo o custo evitar, através de discursos e de bastonadas das Polícias dos respectivos países. Reagiram somente diante do movimento imparável destes deserdados, fugidos do terror de déspotas -- nunca o esqueçamos: armados pelo Ocidente -- e da miséria absoluta.



Perante o assassinato desta criança, olhamos a escassez de atitudes humanizadoras nos nossos locais de viver. Para que cada ser humano não seja mais cúmplice de tantos outros assassinatos, perpetrados de tantos modos e com diferentes nuances, é urgente uma mudança de coração. De contrário, tudo permanecerá igual. Nenhuma instituição se regenera.



A vida humana só se humanizará quando iniciarmos um processo de escuta, capaz de nos tornar “vigilantes para renunciar a tudo o que nos possa alienar” (*). Só a partir do olhar do coração tornaremos “artesão de paz, mulheres e homens de compaixão” (*), como sabiamente afirma a criança síria citada na reflexão de Ricardo Brochado.



(*) da reflexão do irmão Aloïs de Taizé, dia 5 de Junho de 2012 e dia 14 de Julho de 2011, respectivamente.





Fraternalmente,
comunidade grão de mostarda



NAUFRÁGIO DA HUMANIDADE


Não sei se é por ter sido pai recentemente, mas o certo é que a imagem do pequeno sírio deitado de barriga para baixo nas areias de uma praia da Grécia não me sai da cabeça. É uma imagem demasiado vívida, dolorosa que de todas as vezes que olho me dá vontade de chorar. 


Todos os telejornais abriram com a foto, e o jornal Público fez capa com ela - cujo título da notícia é tomado por este texto - acompanhada de um editorial brilhante que, em resumo, afirma que as consciências têm que ser acordadas. 


Enquanto na Europa se definem as quotas de refugiados que cada um vai receber, como se de quotas leiteiras se tratasse, os refugiados continuam a morrer. Enquanto se constroem vedações, os refugiados continuam a tentar uma vida melhor. Enquanto os países ricos vizinhos da Síria como Kuwait, Qatar, Emiratos Árabes Unidos e Arábia Saudita se recusam a recebê-los, países pequenos como o Líbano receberam até agora 1,2 milhões de pessoas em fuga.


Enquanto António Costa, que deve andar inebriado com o poder, diz que os sírios podem ajudar a limpar a floresta - quando este país tem uma floresta abaixo dos 5% e os que migram têm, na sua maioria, formação universitária - os refugiados continuam à deriva na Europa. Enquanto as xenofobias se levantam mais que nunca, não nos podemos esquecer que estamos a falar de pessoas. Seres humanos. Crianças. Um bebé inocente com o rosto na areia.

Como dizia uma criança síria em Budapeste: “Nós não queremos ir a lado nenhum. Só queremos que a guerra acabe. Só queremos estar no nosso País em paz.”



Ricardo Brochado







Foto: Nilufer Demir/DHA/Reuters


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