Caríssimas e
caríssimos,
será
ainda possível assumir uma conduta ética, um novo paradigma social que nos
convoque à alegria de vivermos “como os lírios dos campos, neste tempo de escassez de atitudes
humanizadoras nos diferentes instâncias políticas, financeiras e sociais,?
Nesta
semana, buscámos iluminação nas palavras de dois judeus, Etty e Jesus, ambos
assassinados por acreditarem na esperança, enquanto caminho e horizonte da
Humanidade…~
Fraternalmente,
comunidade grão de mostarda
SER COMO OS LÍRIOS DOS CAMPOS:
horizonte e caminho
Etty Hillesum, no seu diário redigido durante
a inominável crueldade nazi, escreveu: “Gostava muito de viver como os lírios do campo. Se as pessoas entendessem
esta época, seriam capazes de aprender com ela a viver como os lírios do campo”
(1).
As decisões de esperança só poderão
surgir a partir da bondade humana. Não é uma ingenuidade. E Etty compreendeu e
experimentou isto, no seu interior, num momento da história humana que exigiu,
a ela e a milhões de pessoas, um desprendimento total. E assim se encaminhou
para o essencial, por estar consciente da situação de precariedade, não apenas
material, mas sobretudo humana que então se vivia. E apesar do que presenciava
no campo de concentração de Westerbork (Holanda)
– um “foco de sofrimento humano” –,
o que a impelia era nunca perder o sentido de como a vida é “digna de ser
vivida”. Daí a urgência em desejar “viver como os lírios do campo” (2).
Naquele discurso, Jesus evoca que o
essencial é a felicidade humana, a fraternidade universal. Mas “não se trata de
uma felicidade barata e rápida, em que andamos à nossa volta e ignoramos todos
os aspectos negativos do mundo…”, anota Anselm Grün (3). Jesus, de facto,
adverte-nos que não podemos servir a “dois senhores”. Não ensina a
despreocupação. O apelo que faz é o de uma conduta ética que nos convoca à
mudança do objecto das nossas preocupações, e assim inscrita na conclusão do
seu discurso: “Buscai antes de tudo o reinado de Deus e a sua justiça…”. Aqui
reside a chave de interpretação da proposta de Jesus: só na mudança de
paradigma, na mudança de objectivos, pessoais e colectivos, poderemos “viver
como os lírios do campo”.
Quando se desce ao essencial, àquilo
que torna a vida um acto de generosidade é possível viver “despreocupados” como
as aves do céu e os lírios dos campos… Só a simplicidade permite a
generosidade. De contrário viveremos, sempre, (pre)ocupados, senão mesmo
obcecados, com a manutenção do sistema – “Que havemos de comer? Que havemos de
beber? Que havemos de vestir?” – e não com “o reinado de Deus e a sua justiça”,
enquanto
horizonte e caminho de esperança...
(1) Etty
Hillesum, “Diário – 1941-1943”,
Assírio & Alvim, Lisboa, 2008.
Etty (diminutivo de Esther) Hillesum,
filha de um casal judeu de Amesterdão (Holanda), morre no campo de extermínio
nazi em Auschwitz, a 30 de Novembro de 1943. O seu “Diário”, além de permitir
descobrir o seu empenhamento humano e social, percorre o seu itinerário
espiritual nos tempos conturbados da ocupação hitleriana
(2) “Observai
como crescem os lírios selvagens, sem trabalhar nem fiar (…).” (Mateus 6,
27)
(3) “O livro das
respostas”, Paulinas, Lisboa, 2008
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