domingo, 4 de outubro de 2015

ESCUTAR A VIDA



Caríssimas e caríssimos,

será ainda possível assumir uma conduta ética, um novo paradigma social que nos convoque à  alegria de vivermos “como os lírios dos campos, neste tempo de escassez de atitudes humanizadoras nos diferentes instâncias políticas, financeiras e sociais,?

Nesta semana, buscámos iluminação nas palavras de dois judeus, Etty e Jesus, ambos assassinados por acreditarem na esperança, enquanto caminho e horizonte da Humanidade…~

Fraternalmente,

comunidade grão de mostarda


SER COMO OS LÍRIOS DOS CAMPOS: horizonte e caminho 


Etty Hillesum, no seu diário redigido durante a inominável crueldade nazi, escreveu: “Gostava muito de viver como os lírios do campo. Se as pessoas entendessem esta época, seriam capazes de aprender com ela a viver como os lírios do campo” (1).
 

As decisões de esperança só poderão surgir a partir da bondade humana. Não é uma ingenuidade. E Etty compreendeu e experimentou isto, no seu interior, num momento da história humana que exigiu, a ela e a milhões de pessoas, um desprendimento total. E assim se encaminhou para o essencial, por estar consciente da situação de precariedade, não apenas material, mas sobretudo humana que então se vivia. E apesar do que presenciava no campo de concentração de Westerbork (Holanda) um “foco de sofrimento humano” –, o que a impelia era nunca perder o sentido de como a vida é “digna de ser vivida”. Daí a urgência em desejar “viver como os lírios do campo” (2).


Naquele discurso, Jesus evoca que o essencial é a felicidade humana, a fraternidade universal. Mas “não se trata de uma felicidade barata e rápida, em que andamos à nossa volta e ignoramos todos os aspectos negativos do mundo…”, anota Anselm Grün (3). Jesus, de facto, adverte-nos que não podemos servir a “dois senhores”. Não ensina a despreocupação. O apelo que faz é o de uma conduta ética que nos convoca à mudança do objecto das nossas preocupações, e assim inscrita na conclusão do seu discurso: “Buscai antes de tudo o reinado de Deus e a sua justiça…”. Aqui reside a chave de interpretação da proposta de Jesus: só na mudança de paradigma, na mudança de objectivos, pessoais e colectivos, poderemos “viver como os lírios do campo”. 


Quando se desce ao essencial, àquilo que torna a vida um acto de generosidade é possível viver “despreocupados” como as aves do céu e os lírios dos campos… Só a simplicidade permite a generosidade. De contrário viveremos, sempre, (pre)ocupados, senão mesmo obcecados, com a manutenção do sistema – “Que havemos de comer? Que havemos de beber? Que havemos de vestir?” – e não com “o reinado de Deus e a sua justiça”, enquanto horizonte e caminho de esperança...



(1) Etty Hillesum, “Diário – 1941-1943”, Assírio & Alvim, Lisboa, 2008.

Etty (diminutivo de Esther) Hillesum, filha de um casal judeu de Amesterdão (Holanda), morre no campo de extermínio nazi em Auschwitz, a 30 de Novembro de 1943. O seu “Diário”, além de permitir descobrir o seu empenhamento humano e social, percorre o seu itinerário espiritual nos tempos conturbados da ocupação hitleriana



(2) “Observai como crescem os lírios selvagens, sem trabalhar nem fiar (…).” (Mateus 6, 27)  

(3) “O livro das respostas”, Paulinas, Lisboa, 2008


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