terça-feira, 26 de janeiro de 2016

ESCUTAR A VIDA



Caríssimas e caríssimos, 

o economista e filósofo francês Serge Latouche no seu livro “Vers une société d’abondance frugale” (1), aponta que a saída do presente modelo de social consumista, gerador de desequilíbrios desumanizadores, exige, antes de qualquer reestruturação sociopolítica, uma “tarefa de autotransformação em profundidade da sociedade e dos cidadãos”.

Eva Álvarez Glez, membro da Acción Cultural Cristiana, movimento espanhol de cristãos, (Ver: www. accionculturalcristiana.org), recupera uma parte da sua conferência “O novo Ser político”, de 2014,  no âmbito dos acontecimentos políticos então vividos em Portugal e Espanha, e cuja actualidade se mantém, enquanto reflexão para uma revolução, só possível conseguida a partir do nosso interior, como já sublinhava Latouche.

Fraternalmente,
grão de mostarda


  

REVOLUÇÃO EM VEZ DE REACÇÃO





 







AO LONGO DA HISTÓRIA vimos como as consequências das revoluções (sagrentas ou pacíficas) voltaram, a fim de algum tempo, a retroceder no mesmo problema: a acumulação de poder. Isto deve-se a que, na maioria das situações, o detonador não nasceu da aspiração profunda do ser humano para superar as estruturas dominadoras e as suas contradições, mas sim surgiu de uma reacção diante das mesmas. E apesar de se terem gerado mudanças significativas em cada um delas, o sistema foi capaz, sempre, de se reinventar - quer seja pela acção das antigas oligarquias ou através dos próprios revolucionários, acabando eles próprios em converter-se em opressores, precisamente porque eles mesmos não buscavam ser melhores - humanizarem-se e humanizar a sociedade. [Foram poucos aqueles que o perseguiram e conseguiram, e aqui deixo a minha admiração e reconhecimento].

Em minha opinião, dois factores fundamentais propiciarem este fenómeno:
- A macroorganização jurídico-política: a existência de Estados e outros grandes territórios organizados sob o mesmo Governo, e em resultado da luta de interesses e de guerras sangrentas entre os poderosos de cada momento. Segundo Michels, no seu “Ley de hierro de las oligarquias” (*), “quanto maiores se tornam as organizações, ais se burocratizam”, o que exige não somente um conjunto de especialistas ou uma elite que assuma os assuntos políticos (os nossos políticos profissionais), mas também uma forte liderança por parte das referidas oligarquias, massificando o Povo, divorciando-o das tomadas de decisão comuns e reduzindo-o a simples eleitor, a quem confiscarão os rendimentos do seu trabalho.
- A ausência de autêntica re-evolução da pessoa, tanto a nível intelectual como de consciência: é uma das armas mais poderosas do Poder, mantendo o Povo dIvorciado do conhecimento (História, Filosofia, Política, Economia…) que lhe conceda instrumentos para desmascarar as manipulações e mentiras sobre as quais se sustenta o Sistema. Mas, ainda mais eficaz, é a de alimentar a ignorância da própria dignidade e a alienação da consciência, através da criação de falsas necessidades e de relações de dependência e de coerção.

ASSIM, PARA QUE SE CONCRETIZE UMA VERDADEIRA MUDANÇA sociopolítica, deve acontecer uma REVOLUÇÃO. É imprescindível uma nova concepção antropológica, um novo Ser que encarne uma série de virtudes, pessoal e colectivamente devemos recuperar e desenvolver. Virtudes e capacidade intrínsecas à nossa natureza humana, antecedentes à da organização e da legislação. E, a partir daí, poder-se-á realizar e viver a política do bem de todos e de cada um dos seres humanos: a Política do respeito e da consciência pessoal, da tomada de decisões e da corresponsabilidade, enquanto um valor assumido e assumido previamente pela sociedade, em liberdade, e não induzida nem imposta pelas elites. 

Se os poderosos do mundo são capazes de se unirem na sua mesquinhez, como não poderá ser o Povo capaz de se unir na sua Humanidade.

Eva Álvarez Glez

(1) versão espanhola: “La sociedade de la abundancia frugal”, Icaria editorial, 2012, Barcelona
(*)Robert Michels, sociólogo alemão (1876 - 1936).
 

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