Caríssimas e
caríssimos,
diante da interrogação: “Que
sentido tem falar de esperança a quem momento para o outro ficou na mais negra
escuridão e, como um náufrago, está atolado na crise sem vislumbrar uma tábua
de salvação?”, Constantino Alves propõem-nos na reflexão semanal de ESCUTAR A VIDA,
um caminhar “que resiste e recusa as fatalidades e determinismos” (ver ANEXO).
Responsável pela paróquia
católica de Nossa Senhora da Conceição, em Setúbal, Constantino Alves partilha
um quotidiano de “clamores do povo ou os gritos sufocados pelo medo e perder o
tão pouco que resta”.
Com estima fraterna,
grão
de mostarda
NAS
ENCRUZILHADAS DA CRISE E DA ESPERANÇA
Que sentido tem
falar de esperança a quem dum momento para o outro ficou na mais negra escuridão e,
como um náufrago, está atolado na crise sem vislumbrar uma tábua de salvação? Se o Advento nos convida à esperança que
pode isso significar no real e concreto das vidas do povo sofrido, desiludido
e numa crescente dependência das incertezas e da insegurança?
Dar uma janela
ao futuro
Neste preciso momento em que escrevo, sou
interrompido por uma mulher de 42 anos que me diz, com a voz embargada pela
comoção: “Não tenho nada para comer, estou sem luz e água há mais de uma
semana, ficaram de me contatar da Segurança Social para marcarem uma entrevista
por causa do RSI (Rendimento Social de Inserção), mas já lá vão quinze dias…eu
mato-me…!
Falar de esperança a esta pessoa que quer
dizer? E lembro-me dum poema africano que dizia: “eu estava com fome e vós
fostes rezar por mim, mas eu continuei com fome!”
Há três
escândalos inadmissíveis no nosso tempo em que o progresso e o desenvolvimento
tecnológico nos maravilham e que não podemos nem devemos aceitar: a fome, o
desemprego estrutural e as desigualdades sociais.
Compreender os
tempos que vivemos
Os tempos que vivemos exigem profunda reflexão
para compreendermos as causas e mecanismos profundos que nos conduziram a nós e
a milhões de pessoas pelo mundo inteiro à exclusão social e à pobreza por causa
do desemprego e da precariedade.
Na base das profundas mudanças que estamos a
viver está o surgimento e imposição progressiva dum modelo de desenvolvimento
nas últimas décadas assente no neoliberalismo que sacraliza a iniciativa
privada, exalta a concorrência e a competitividade e coloca como objetivo quase
exclusivo, o lucro. E os seus arautos teóricos ou os donos do
dinheiro reclama como condição para o seu êxito o afastamento da intervenção do
Estado da esfera do económico e do social (veja-se a venda de tudo quanto é do
domínio público, desde que lucrativo, a voragem das privatizações!) e a
desregulamentação constante da legislação laboral, a recusa da contratação
coletiva e o incremento de novas relações laborais!
Outrora os Profetas ajudavam o Povo de Deus a
perceber as causas do seu cativeiro na Babilónia e a humilhação em que viviam,
pelo abandono da Aliança, pelas infidelidades ao cumprimento dos mandamentos,
pelo crescimento da injustiça e da violência sobre os mais desprotegidos, pela
gestão e governo ruinoso exercido pelos reis e pelo esquecimento de Deus. As
suas explicações eram acompanhadas de fortes apelos à conversão, à mudança de
atitudes, à redescoberta dum estilo de vida e de laços sociais novos, e uma
exortação à esperança. E lembravam as maravilhas dum Deus presente, próximo que
nunca abandonaria o seu Povo.
E foi nessa purificação longa de
mentalidades, atitudes e valores que o Povo pôde manter a sua esperança.
É urgente falar
de esperança nas encruzilhadas da crise
Falar de esperança nas encruzilhadas da crise
é imperioso e urgente. É preciso escutar os clamores do povo ou os gritos
sufocados pelo medo e perder o tão pouco que resta. Dar valor, apoiar ou
estimular a sua indignação. Celebrá-la!
Não podemos deixar sacrificar no altar do
desemprego, da precariedade, da flexibilização sem limites, os direitos mais
sagrados dos trabalhadores: o trabalho digno, com direitos e dignificante e
cujos sacerdotes máximos, movidos pelo egoísmo, são os grandes grupos
económicos e financeiros, servidos por uns acólitos políticos sem preparação
técnica e desprovidos dos verdadeiros valores sociais e morais. O trabalho é
estruturador e estruturante duma pessoa. Sem ele sentimo-nos dependentes,
excluídos, arrumados e indefesos.
Há alternativas possíveis que relancem a
humanidade, o país, no sentido dum desenvolvimento económico e social mais
justo e solidário.
Os caminhos da História podem ser sempre
alterados e abertos outros rumos com a conjugação dos esforços, das lutas, das
indignações e da apresentação de propostas assentes em denominadores comuns,
como a colocação do emprego no centro das preocupações políticas, a valorização
e dignificação do trabalho humano, a justa repartição de rendimentos da
atividade económica ou das transações do capital, a juventude e os estratos
sociais mais vulneráveis, a ecologia e a paz!
Todos, todos… temos a obrigação moral de
lutar contra as causas e causadores de tantos sofrimentos e humilhações.
Dar de comer a
quem tem fome e lançar a mão ao arado
A solidariedade com os desempregados, com os
mais pobres, com as vítimas da crise, incorpora diversas formas e componentes e
nenhuma pode deixar de estar articulada com outra: ficar em discursos inflamados mais ou menos politizados e não ser
empreendedor de formas organizativas concretas de apoiar os desempregados ao
nível do apoio alimentar, roupa, rendas de casa, saúde e afeto (!), as palavras
serão vazias, ocas e não passarão de mera propaganda ideológica. Mas ficar só
pela chamada ação social direta, necessária e imprescindível relativamente às
pessoas que têm fome e estão no limite da sobrevivência, isso não chega! Seria
o mero assistencialismo, que não tocava as causas geradoras da pobreza e da
fome.
É importante termos uma visão histórica e
percebermos como em séculos anteriores os operários recorreram a formas de
solidariedade entre eles ao nível da satisfação da suas necessidades mais
básicas e se articularem com outras instituições de beneficência ou
solidariedade e perceberam que esses meios não estavam desligados duma luta
mais profunda e transformadora.
Não será este um desafio nos nossos tempos
para todos, incluindo autarquias, igrejas, associações e os próprios
sindicatos? Não deverá ser o sindicato o primeiro “colo” que o desempregado,
fustigado pela dor e angústia deve encontrar?
Mas já despontam os sinais de esperança que
não se deixam afogar nem amordaçar!
Eles irrompem sobre a terra ressequida de
sangue e suor, as ruas, as praças se enchem e milhões de portugueses, vestindo
cores diferentes, já dizem: “Não”! “Basta!” Já se grita que há fogo na floresta
e que não o podemos ignorar e, por isso, nem o medo, nem os senhores nos
amordaçarão e calarão as nossas vozes e destruirão a esperança que nos resta!
Neste tempo de
Advento… quando o Profeta chegar
Neste tempo de Advento, se estas palavras
pouco valerem, fique a certeza de que só nos deixando envolver na onda da
caminhada que resiste e recusa as fatalidades e determinismos, viveremos a
nossa Fé no Deus revelado em Jesus, libertador dos pobres e oprimidos (“creio
no mundo que há-de vir”) e que muitos, muitos mais já estão a preparar o
terreno dum amanhã que, num caminhar lento, tenaz, refletido e seguro, ou na
surpresa duma madrugada, nos fará cantar de novo a esperança!
Constantino
Alves
Padre de Setúbal, na paróquia católica de
Nossa Senhora da Conceição
endereço facebook: http://www.facebook.com/profile.php?id=100000302334921
grão
de mostarda
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