Caríssimas e caríssimos,
Escutar “o clamor e as angústias” dos mais fragilizados,
daqueles que têm de cortar uma maçã em três partes, para ela dure três dias.
Para Henrique Scheepens (*), este escutar leva a perscrutar caminhos de
confiança... Na fé cristã de Henrique todo o “antigo” foi “renovado” (ver ANEXO).
Com estima fraterna,
grão de mostarda
Escutando
a vida, escuto-a a partir de membro ativo na comunidade católica das
Galinheiras, situada na ponta mais norte da cidade de Lisboa. Escuto-a no que
leio e por telefone; escuto-a no Centro Social direta ou indiretamente pela voz
de funcionárias. O meu escutar é curto, limitado mas não sem importância. A
enorme riqueza da vida, só Deus abrange a totalidade da vida de todos. Escuta o
clamor do seu povo: “Eu vi a situação miserável do meu povo, escutei o seu
clamor, conheço as suas angústias” (ver Êxodo 3, 7). No passado e no hoje: “As
coisas antigas passaram; tudo foi renovado. Se alguém está em Cristo, é uma
nova criatura”. (2ª Carta aos Coríntios 5, 17)
Um telefonema duma solicitadora que quis
falar comigo, por pertencer a esta comunidade católica como padre. Nunca
aparece na oração nem as filhas frequentam a catequese. “Tenho um amigo que
perdeu a esposa por suicídio e a filha com deficiência física e mental
encontra-se em Espanha”. Pede-me se conheço uma instituição que possa receber
essa filha cá, perto de Lisboa onde ele vive. “O padre não conhece uma
instituição orientada por freiras onde, talvez por seu intermédio, possa
receber essa filha”? A nossa Igreja é conhecida não só pelo mal que causou e
causa, mas também pelo bem que fez e faz.
O Centro Social é procurado por muita gente,
nos tempos que correm, em especial por funcionar aí um Banco Alimentar. Bancos
Alimentares atendem muitos e enfrentam toda a qualidade de pessoas: pessoas que
compreendem e que não compreendem, pessoas que sabem que há outros a sofrerem
como elas e pessoas que julgam que só elas têm direitos. É necessário ter
paciência! Uma senhora com 83 anos conta que vive com um filho deficiente de 50
anos, por lhe ter caído um ferro em cima da cabeça; nunca descontou, não recebe
nenhum apoio apesar de ter perdido a capacidade de trabalhar. A reforma da mãe,
de 278 euros, deve dar para comer, água e electricidade, gás e renda da casa.
“Às vezes corto uma maçã em três partes para ela durar três dias”, observou
essa mãe. O nosso Banco ajuda na alimentação dos dois, mas vai fazer tudo para
que haja aí apoio do Rendimento Social de Inserção.
Escreveu, no passado dia 2, o historiador
José Pacheco Pereira: “Muitos portugueses identificam-se como católicos, muitos
são mesmo crentes, e parte desses crentes é praticante. Uma minoria pertence a
várias instituições da Igreja, no plano social, cultural e assistencial. Sem
eles desabaria a frágil rede que protege os mais pobres e fracos na sociedade
portuguesa e a que o Estado dá cada vez menos e pior.”
Igreja, santa e pecadora.
(*) O padre Henrique é
missionário… viveu muitos anos na Pedreira dos Húngaros, partilhando uma barraca
(de madeira) com outros missionários, naquele que foi considerado o mais
problemático bairro da Grande Lisboa. Colabora nas reflexões de ESCUTAR A VIDA;
a sua presença não tem sido possível, desde novembro, por ter fraturado a mão
direita…
Sem comentários:
Enviar um comentário