domingo, 12 de outubro de 2014

ESCUTAR A VIDA



Caríssimas e caríssimos,

“Quando fazemos a experiência da solidariedade com os que estão muito próximos de nós ou com os que estão muito longe, a experiência de pertencermos uns aos outros, de dependermos uns dos outros, então a nossa vida tem um sentido.” Estas palavras do irmão Aloïs, prior da Comunidade de Taizé, ganham uma dimensão mais profunda quando conhecemos exemplos de vidas entregues, não apenas à solidariedade enquanto gesto pontual de ajuda, mas como projecto de vida assumido na mudança de mentalidades e modos de relacionamento entre as sociedades.

Janet Maro fez esta aposta: dedicar-se a contrariar interesses financeiros para tornar possível uma Terra mais humanizada. A determinação desta tanzaniana – uma nossa “vizinha” de mais longe – leva-nos a ultrapassar as desconfianças e a acreditar na bondade do coração humano.

Uma nota necessária: de Janet Maro tivemos conhecimento através da edição portuguesa deste mês da National Geographic e da revista espanhola digital Mayhem (http://www.mayhemrevista.com).


Fraternalmente,
grão de mostarda


Janet Maro: cuidadora da terra e da Humanidade


O seu nome não circula pelos centros de conferência das multinacionais da agroindústria, nem é escutado nos gabinetes dos países ricos, quando se debate o problema da alimentação ou se tecem discursos sobre a fome e os modelos de alimentação, a nível mundial…

Janet Maro, uma jovem tanzaniana agrónoma, vive precisamente empenhada na transformação da lógica que, políticos e empresários, pretendem impor nos modelos de produção agrícola, com o argumento de uma necessidade urgente de acabar com a escassez de alimentos.

Em 2012, perante a falta de comida pela ausência de recursos em continentes como a Ásia e a África subsariana, em particular, os países membros do G8 colocaram em prática um programa para dez anos. Designado Nova Aliança para a Segurança Alimentar e a Nutrição, prevê retirar da pobreza 50 milhões de pessoas através do investimento privado em agricultura nos países chamados subdesenvolvidos, entre os quais a Tanzânia.

Quando em 2009 terminava o curso, Janet Maro juntou-se a uma iniciativa única: criar uma organização sem fins lucrativos com os pequenos agricultores de Mogoro, a pouco mais de 100 quilómetros de Dar-es-Salam. E assim nasceu a Agricultura Sustentável da Tanzânia (SAT) – Sustainable Agriculture Tanzania (ver: http://kilimo.org/WordPress) – conseguindo impedir que os interesses financeiros tomassem conta de um conjunto de práticas tradicionais da agricultura: produção diversificada de vegetais para não saturar os solos, uso de compostagem como único fertilizante, em vez de adubos sintéticos, e aplicação de métodos naturais para a impedir o avanço de pragas, através da combinação de plantas capazes de substituírem os pesticidas… Paralelamente foram criados um centro de formação para pequenos agricultores tanzanianos e de países vizinhos e duas lojas de venda dos produtos.

Janet Maro não vive “encurralada” no gabinete da SAT. Quotidianamente está presente no campo com os agricultores para experimentar, melhorar e estudar métodos naturais de preservação de semente e de colheitas cada vez mais corretas, em termos biológicos. E é assim que desde há cinco anos já foi possível aos agricultores incorporados na SAT venderem as suas colheitas em mercados locais, matricular os filhos na escola e não se endividarem com a compra de fertilizantes e pesticidas.

Sobre o projecto do G8, Janet Maro denuncia que ele promove uma agricultura baseada na utilização de sementes hibridas e de fertilizantes sintéticos. “Acreditamos na independência dos agricultores para decidir sobre o método que pretendem utilizar…”, refere quando aponta as implicações ambientais que terão todos os processos que a multinacionais da agroindústria estão a desenvolver: “Teremos plantas que florescem, mas o solo ficará arruinado e ao fim de algum tempo, já exausto, deixará de produzir.” Assim, assegura, a longo prazo este plano “não é sustentável.”

E como sabe que os dinheiros dos países ricos destinados a projectos de agricultura não chegam aos pequenos produtores – “em África tudo funciona de cima para baixo, começando pelos países ricos dando dinheiro aos governos; logo esse dinheiro é retido no Ministério da Agricultura, nos funcionários menores, e só depois alguma coisa chega, quando chega, aos que produzem a comida” – Janet Maro propõe que o caminho certo, diante do aumento de população previsto (a ONU assinala que até 2050 haverá mais dois mil milhões de seres humanos), a produção de mais comida só poderá surgir através de iniciativas respeitosas pelo ambiente, através de uma agricultura sustentável: “A única que cuida do solo, da saúde e é produtiva.”

“Na história do mundo, por vezes houve algumas pessoas que, pela sua fidelidade e pela sua humilde perseverança, influenciaram acontecimentos de forma duradoura.” Janet Maro desconhece, certamente, estas palavras do irmão Aloïs, mas elas são um retrato do amável projecto de vida desta agrónoma.




Foto: SAT

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