Caríssimas e caríssimos,
“Quando fazemos a
experiência da solidariedade com os que estão muito próximos de nós ou com os
que estão muito longe, a experiência de pertencermos uns aos outros, de dependermos
uns dos outros, então a nossa vida tem um sentido.” Estas palavras do irmão
Aloïs, prior da Comunidade de Taizé, ganham uma dimensão mais profunda quando
conhecemos exemplos de vidas entregues, não apenas à solidariedade enquanto
gesto pontual de ajuda, mas como projecto de vida assumido na mudança de
mentalidades e modos de relacionamento entre as sociedades.
Janet Maro fez esta
aposta: dedicar-se a contrariar interesses financeiros para tornar possível uma
Terra mais humanizada. A determinação desta tanzaniana – uma nossa “vizinha” de
mais longe – leva-nos a ultrapassar as desconfianças e a acreditar na bondade
do coração humano.
Uma nota necessária: de
Janet Maro tivemos conhecimento através da edição portuguesa deste mês da
National Geographic e da revista espanhola digital Mayhem (http://www.mayhemrevista.com).
Fraternalmente,
grão de mostarda
O seu nome
não circula pelos centros de conferência das multinacionais da agroindústria,
nem é escutado nos gabinetes dos países ricos, quando se debate o problema da
alimentação ou se tecem discursos sobre a fome e os modelos de alimentação, a
nível mundial…
Janet Maro, uma jovem tanzaniana
agrónoma, vive precisamente empenhada na transformação da lógica que, políticos
e empresários, pretendem impor nos modelos de produção agrícola, com o
argumento de uma necessidade urgente de acabar com a escassez de alimentos.
Em 2012, perante a falta de
comida pela ausência de recursos em continentes como a Ásia e a África
subsariana, em particular, os países membros do G8 colocaram em prática um
programa para dez anos. Designado Nova Aliança para a Segurança Alimentar e a
Nutrição, prevê retirar da pobreza 50 milhões de pessoas através do
investimento privado em agricultura nos países chamados subdesenvolvidos, entre
os quais a Tanzânia.
Quando em
2009 terminava o curso, Janet Maro juntou-se a uma iniciativa única: criar uma
organização sem fins lucrativos com os pequenos agricultores de Mogoro, a pouco
mais de 100 quilómetros de Dar-es-Salam. E assim nasceu a Agricultura
Sustentável da Tanzânia (SAT) – Sustainable
Agriculture Tanzania (ver: http://kilimo.org/WordPress) – conseguindo
impedir que os interesses financeiros tomassem conta de um conjunto de práticas
tradicionais da agricultura: produção diversificada de vegetais para não
saturar os solos, uso de compostagem como único fertilizante, em vez de adubos
sintéticos, e aplicação de métodos naturais para a impedir o avanço de pragas,
através da combinação de plantas capazes de substituírem os pesticidas…
Paralelamente foram criados um centro de formação para pequenos agricultores
tanzanianos e de países vizinhos e duas lojas de venda dos produtos.
Janet Maro não vive “encurralada”
no gabinete da SAT. Quotidianamente está presente no campo com os agricultores
para experimentar, melhorar e estudar métodos naturais de preservação de
semente e de colheitas cada vez mais corretas, em termos biológicos. E é assim
que desde há cinco anos já foi possível aos agricultores incorporados na SAT
venderem as suas colheitas em mercados locais, matricular os filhos na escola e
não se endividarem com a compra de fertilizantes e pesticidas.
Sobre o
projecto do G8, Janet Maro denuncia que ele promove uma agricultura baseada na
utilização de sementes hibridas e de fertilizantes sintéticos. “Acreditamos na
independência dos agricultores para decidir sobre o método que pretendem
utilizar…”, refere quando aponta as implicações ambientais que terão todos os
processos que a multinacionais da agroindústria estão a desenvolver: “Teremos
plantas que florescem, mas o solo ficará arruinado e ao fim de algum tempo, já
exausto, deixará de produzir.” Assim, assegura, a longo prazo este plano “não é
sustentável.”
E como sabe que os dinheiros dos
países ricos destinados a projectos de agricultura não chegam aos pequenos
produtores – “em África tudo funciona de cima para baixo, começando pelos
países ricos dando dinheiro aos governos; logo esse dinheiro é retido no
Ministério da Agricultura, nos funcionários menores, e só depois alguma coisa
chega, quando chega, aos que produzem a comida” – Janet Maro propõe que o
caminho certo, diante do aumento de população previsto (a ONU assinala que até
2050 haverá mais dois mil milhões de seres humanos), a produção de mais comida
só poderá surgir através de iniciativas respeitosas pelo ambiente, através de
uma agricultura sustentável: “A única que cuida do solo, da saúde e é
produtiva.”
“Na história do mundo, por vezes houve algumas
pessoas que, pela sua fidelidade e pela sua humilde perseverança, influenciaram
acontecimentos de forma duradoura.” Janet Maro desconhece, certamente, estas
palavras do irmão Aloïs, mas elas são um retrato do amável projecto de vida desta
agrónoma.
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