Caríssimas e caríssimos,
Quais são as nossas “plataformas de esperança”? Em que ESPERANÇA
fundamos o nosso SER?
Luísa Alvim, na sua Carta de resposta a Valentim Gonçalves conduz-nos
ao seu tempo, ao quotidiano que, também a ela, a interroga… “Dos fracos, dos
frágeis, dos pequenos, dos que não têm nada, dos que acreditam em respostas vêm
sinais esperançosos.” E assim nos convoca os corações: “Mais do que uma
revolução política e social, é preciso uma revolução interior…” (ver ANEXO)
Fraternalmente,
grão de mostarda
PLATAFORMAS DE
ESPERANÇA
Caríssimo
Valentim,
São inquietantes e perturbadoras as questões que levantas na tua
última carta (*). Perguntas o que é que o Espírito continua a dizer às igrejas?
Qual é a força do fermento no meio da massa? Por que é estamos a olhar o céu?
As nossas cartas têm vindo a exprimir a esperança no caminho de
hoje e para o futuro nas vidas que cruzamos com as nossas comunidades. Mas há
na sociedade uma carência na escrita e na dádiva de “cartas de esperança” para
a vida das pessoas.
Visitou-me no local de trabalho um ex-recluso que trabalhou
connosco num projeto de leitura e escrita durante a sua pena no estabelecimento
prisional. Veio para pedir um poema que escreveu e para me mostrar as suas
mãos. Eram mãos de trabalho, mãos calejadas e sujas. Fiquei feliz por estas
mãos de esperança. Pelo trabalho que perseguiu para encontrar, pela força da
procura num poema que escreveu, pela reconversão de vida que queria manifestar.
À porta da casa da minha filha, em Lisboa, dormem os sem-abrigo
que os vizinhos teimam em afastar e a queimar os poucos haveres que possuem.
Depois de uma dessas queimadas, na manhã seguinte, o prédio acordou com um
grafiti na parede em que está escrito FUTURO e um barco pintado que ruma ao
horizonte.
Recentemente, as crianças da catequese escreveram cartas a Jesus
no dia da sua primeira comunhão. Pérolas de oração de confiança. Agradeciam
tudo o que têm e o que são. O Gil escreveu:
“Querido Jesus:
Obrigada por tudo:
Pela vida
Por este belo planeta
…
Ajuda-nos e protege-nos.
Ámen.”
A semana passada, na Praça de S. Pedro em
Roma, durante a audiência do Papa, vi uma mulher com um filho entregar uma
carta dirigida ao “Papa Francesco” a um polícia. Este perguntou-lhe se tinha lá
dentro o nome e a morada, depois atravessou a praça, subiu a escadaria
dirigiu-se ao secretário do Papa e entregou-a. Sem antes garantir veementemente
à mulher que o Papa lhe responderia.
Estas são as minhas plataformas de esperança.
Dos fracos, dos frágeis, dos pequenos, dos que não têm nada, dos
que acreditam em respostas vêm sinais esperançosos. É desta força que o
fermento faz crescer a massa. Esta é a minha gramática da esperança. É aqui que
do nada se gera o amor que muda o mundo. Com Jesus, sabemos que temos que ser
iguais aos sem nada, aos sem terra, aos sem-abrigo, aos pequenos. Pois são
estes que estão dispostos a acolher a esperança.
Mais do que uma revolução política e social, é preciso uma
revolução interior ao homem na contramão redentora: para encontrar Deus, que
nos enche de privilégios, é preciso ir a Jesus que se faz igual a cada um de
nós.
O que é que o Espírito continua a dizer às igrejas? Pressuponho
que as Igrejas têm que ser uma presença qualificadora do homem e da mulher no
bem-estar social, no tratamento igualitário entre seres. Têm que rejeitar a
forma arrogante como a economia neoliberal nos diferencia. Terão que ser fontes
evangélicas a alimentar a humanidade no encontro sagrado entre si e o Pai.
Terão que ensinar o homem e a mulher a confiar no advento dos privilégios e nas
dádivas de Deus na vida de cada um, através da procura da igualdade social que
Jesus nos propõe.
Ter esperança no horizonte futuro é fazermos no hoje das nossas
vidas diárias uma luta pela igualdade. Lutar para que a fraqueza e a pobreza a
social desapareçam e possamos finalmente ser fracos e “pobres em espírito”,
necessitados do Amor, falíveis e imperfeitos para acolher o Pai.
No hiato entre o desespero e a confiança, recuperemos a salvação e
a Justiça do Deus cristão, que Torres Queiroga nos fala[i]:
Deus é Pai e Mãe de todos e quer o bem e a igualdade para todos os homens e
mulheres.
Haja uma esperança ressuscitada!
Abraço
fraterno,
Luísa
Alvim, que acredita que cada ser humano será um privilegiado se
encontrar Jesus na sua vida
(*) Publicada a
17 de maio passado.
[1] Del terror de Isaac al Abbá de Jesús:
hacia una nueva imagem de Dios. Editorial Verbo Divino, 2000
Luísa Alvim, cristã empenhada na paróquia católica de S. Victor, em Braga – os seus
“diários” da catequese no Facebook constituem verdadeiras parábolas sobre o
Amor Infinito –, é também membro do Metanoia – movimento de profissionais
católicos. Técnica superior (área de Biblioteca e Documentação), na Câmara
Municipal de Vila Nova de Famalicão – atualmente a trabalhar na Casa de Camilo
- Museu e Centro e Estudos –, diz-se uma “sonhadora do impossível
Valentim Gonçalves é pároco da comunidade católica de S. Pedro do Prior Velho, desde a sua
constituição como paróquia, em Outubro de 1999. A população do Prior Velho
(concelho de Loures) conhece este missionário do Verbo Divino, desde há duas
décadas, quando começou a empenhar-se no serviço aos moradores da Quinta da
Serra – bairro ilegal, constituído maioritariamente por imigrantes africanos. Membro da Comissão de Justiça e Paz dos Institutos
Religiosos, assume também trabalho pastoral na antiga Quinta do Mocho (atual
Terraços da Ponte, em Sacavém), igualmente habitado por uma população de
imigrantes africanos.
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