Caríssimas e caríssimos,
a CARTA EM BUSCA (*), enviada este ano, propunha-nos viver uma
esperança atuante “cultivada pelo olhar atento aos acontecimentos”. Nesta
semana, Álvaro Carvalho na reflexão “Escutar a Vida” convoca-nos, em nome de quem
lhe vê negado o direito do “Pão nosso de cada dia”, a um
acontecimento/manifestação (VER ANEXO).
“Quando vivemos a partir do coração surge a novidade…” as palavras
do monge Carlos Maria Antunes, recordadas na CARTA EM BUSCA, contrariam a
indiferença que nos desmobiliza para uma cultura de caminhos fraternos… Álvaro
Carvalho palmilha o mesmo território: este tempo “incerto e derradeiro”
(citando Fernando Pessoa) reclama-nos o “Pão nosso de cada dia” para todos.
Aceitar o desafio desta reflexão, mobilizando-nos a um diálogo que pode ter
lugar no espaço (E-mail e Facebook) do grão de mostarda, não será
a atitude capaz de nos orientar para gestos de uma amabilidade solidária?
Fraternalmente,
grão
de mostarda
(*) texto em ANEXO
A HORA DO “PÃO
NOSSO DE CADA DIA….”
Na verdade todos pedimos, na oração que Jesus
nos ensinou, o Pão de cada dia. No entanto, todos os dias somos confrontados
com situações em que as pessoas enfrentam o desemprego e que assim lhes vêem
negado o direito ao trabalho. Não me refiro à frieza das estatísticas, mas ao
encontro de pessoas que nos relatam situações comoventes para as quais não
temos soluções. Tal tem implicações pessoais, familiares e sociais muito
importantes, não só na situação financeira mas também na saúde física e mental.
Então se nós, os cristãos, fizéssemos uma
manifestação reivindicando para todos o “Pão para cada dia"? Sei que
infelizmente não se resolveria o problema, mas estou certo que o traríamos para
a discussão pública, não na sua forma de estatística mas com o que tal implica
na vida das pessoas e também na busca de soluções efetivas.
Surge-me então a ideia do poema Nevoeiro de Fernando Pessoa:
“ Ninguém sabe que coisa quer,
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...
É a hora!”
Temos de fazer ALGO capaz de alterar esta
situação…
Álvaro Carvalho
(*) texto em ANEXO
(**)
celebração do 1º ano de catequese, na Igreja Católica.
Carta
em busca... 2013
Mudar o
coração… Viver na esperança atuante!
O momento presente que vivemos, não apenas no
nosso país mas também por todo o mundo, convoca-nos a uma mudança de coração;
uma mudança convicta que não permitirá deixarmo-nos submergir pela
desumanização instalada pelas diferentes instâncias políticas, financeiras e
sociais na vida pessoal e coletiva das sociedades.
Conscientes da perturbação causada
pela angústia
do desencanto ou por uma cultura de desconfiança que nos tornariam incapazes de
agir, não permitiremos
que o coração se acomode ao medo que sufoca e imobiliza… Somente abrindo o
nosso coração à realidade, ao “fluir incessante” do quotidiano, como propõe o
monge Carlos Maria Antunes, se renovará o nosso olhar sobre o tempo presente. E
assim descobriremos
caminhos de confiança e novas formas de solidariedade,
animados por uma esperança atuante.
Vivendo numa esperança
atuante, cultivada pelo olhar atento aos acontecimentos redescobriremos
possibilidades de mudança, a novidade que o agora já nos anuncia:
“Quando vivemos a partir do coração surge a novidade…”, recorda-nos Carlos
Maria Antunes.
A esperança atuante não é uma atitude
de ingenuidade diante dos danos causados por decisões políticas e interesses financeiros
que estão a ser perpetrados sobre a Terra e a Humanidade, particularmente sobre
os mais fragilizados. Todavia, o sofrimento humano e a depredação dos bens
naturais podem colocar-nos interrogações, como o irmão Aloïs, prior da
Comunidade de Taizé, recentemente sublinhou: “Os diferentes tipos de violência
no mundo e a exploração irresponsável dos recursos do planeta deixam-nos
desconcertados (…). Como podemos gerir esta tensão entre a convicção de que há
apenas uma família humana e as diferenças que vemos, talvez mesmo perto de
nós?” (2).
As decisões de uma esperança atuante só surgirão a partir da bondade
coração, que nos remete à urgência de relações fraternas. “Sem este olhar não
há nenhuma ideologia, por mais generosa que seja, que me permita aproximar do
outro.” Adverte-nos Carlos Maria Antunes, para concluir: “Não me faço irmão do
outro; descubro-me irmão do outro.” A partir desta consciência, o nosso coração
exigirá um novo paradigma civilizacional; uma diferente maneira de viver as relações
humanas e um outro modelo de convivência política e económica entre as nações e
os povos.
Até agora o complexo sistema
financeiro apoiou-se na “abundância consumista”, levando as pessoas a acreditar
que “pretendia conduzir à felicidade através da satisfação dos desejos de
todos” (3). Propondo uma sociedade assente na vivência “da autolimitação e
simplicidade voluntárias, da abundância frugal, da reabilitação do espírito da
doação e da promoção da convivialidade” Serge Latouche conclui que “a
frugalidade encontrada” permitirá “reconstruir uma sociedade de abundância.”
Não serão, certamente, os grandes feitos que
semearão a esperança no terreno da morte e da violência, como parece haver, por
vezes, a tentação de fazer em tempos de desilusão social. A nossa fragilidade
tornar-se-á consciência de uma conversão de coração que nos fortalecerá na busca
de caminhos fraternos… Como caminhar neste sentido? “Fazendo
a experiência da solidariedade com outros, a experiência da pertença uns aos
outros, de depender uns dos outros”, porque só assim “descobrimos que a bondade
descobre-se não em ‘cada um por si’, mas em investir na solidariedade entre os
humanos” (2). Ou seja, viver, já hoje, a esperança enquanto caminho e
horizonte, experimentando mudar o presente… O “pão” de ontem retirado aos
injustiçados tem de ser buscado e exigido, mas não nos pode remeter para os
antigos paradigmas socioeconómicos. Os muros erguidos entre nós pelos sistemas
políticos e sociais dominados pelo poder financeiro consolidaram a indiferença
dentro dos corações, perante o desrespeito pelos direitos humanos.
Temos consciência que nenhum daqueles muros
poderá ser derrubado da noite para o dia…
A
escassez de atitudes humanizadoras só será ultrapassada com gestos de uma amabilidade
solidária. Se
o nosso coração, a nível pessoal, exige um empenhamento imenso para mudar,
quanto mais não custa mudar o coração coletivo da Humanidade…
“Tudo muda, e muda radicalmente, quando a
nossa rotina quotidiana é vivida com atenção. Ao dizer atenção, dizemos de uma
faculdade interior, a que poderíamos chamar o olhar do coração.” As palavras de
Carlos Maria Antunes são-nos confirmadas pelas muitas iniciativas que nos vão
desvelando as possibilidades de uma nova Humanidade…
Todos os dias conhecemos, em diferentes partes
do mundo, pessoas que não se deixam agarrar pela espera dos indiferentes, nem ensombrar
por sistemáticas notícias de tramas de embustes e corrupções, de violências e
ódios, preferindo experimentar a esperança no exercício do seu quotidiano. Este
caminho é assim sublinhado numa feliz expressão do teólogo Andrés Torres
Queiruga: “ (…) não há mais funda ‘fidelidade à terra’ que aquela que vive
animada pelos dinamismos do ‘Reino que já está entre vós’ (Lucas 17,21) ” (4).
Ou seja, é em nós que reside a capacidade de tornar a Terra um lugar habitável,
um lugar onde seja inconcebível que ao órfão e à viúva não se faça Justiça… De
nós depende uma nova soberania, construída a partir do presente. Uma soberania
nascida do nosso interior mais profundo, porque depende da nossa vontade, da
nossa convicção. Uma nova soberania exige-nos comportamentos novos… Uma nova
soberania exige-nos decisões e atitudes de “fidelidade à terra”; uma fidelidade
somente possível para os corações convictos de que “o presente é (o lugar) de
onde se inicia a libertação, da qual o futuro será fruto” (4).
(1) Carlos Maria Antunes, “Só
o pobre se faz Pão”, Paulinas, Prior Velho (Portugal) 2013.
(2) Irmão Aloïs, “Um dinamismo de solidariedade” (Julho 2012).
Ver: http://www.taize.fr/pt_article14171.html
(3) Serge Latouche, “La sociedad de la abundancia
frugal. Contarsentidos y controvérsias del Decrecimiento”, Icaria, Barcelona
(Espanha), 2012.
O economista e
sociólogo francês Serge Latouche conclui que o sistema económico conduziu-nos a
uma “insatisfação generalizada”, porque “as pessoas felizes são péssimos consumidores.”
Propondo “a abundância frugal numa sociedade solidária”, recorda-nos que a
crise e austeridade decorrente do atual modelo financeiro, “só pode originar um
ciclo deflacionário que precipitará uma nova crise.” Prevenindo que, “perante
esta ameaça evidente”, alguns economistas já propõem “o relançamento do consumo
e do investimento para restabelecer o crescimento”, SergeLatouche avisa que a
Terra já não suportará por muito mais este tipo de decisões. E, recordando Jonh
Stuart Mill (1806-1873), defende que “a sociedade liberta da obsessão do
crescimento” conseguiria sair da atual “mitologia produtivista” em que está
enredada: “Se os espíritos tivessem outra perspetiva do que apenas adquirir
riquezas, existiria mais lugar que nunca para todo o tipo de progressos
culturais, morais e sociais, e assim ter uma melhor qualidade de vida (…).”
(4) Andrés Torres Queiruga, “Esperanza a pesar del mal – La resurrección como horizonte”, Sal
Terrae, Santander (Espanha), 2005.
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