domingo, 7 de setembro de 2014

ESCUTAR A VIDA



Caríssimas e caríssimos,

no mais profundo da nossa consciência escapam-se-nos, tantas vezes, as genuínas relações humanas… O quotidiano parece absorver, quando não mesmo congelar, a sensibilidade interior que nos permitiria alimentar uma confiança de abertura a cada ser humano.

Ricardo Brochado, nesta semana, aponta-nos: mesmo em situações exigentes, esta abertura de confiança torna-se dom na delicada e frágil arte de estimar cada momento de um relacionamento humano.
Fraternalmente,

grão de mostarda



DA ARTE DE HUMANIZAR



Todos os dias sou submetido a volumes enormes de dados que sou obrigado a descodificar. Através da internet chegam-me imensos estímulos que me obrigam a ser uma máquina de descodificação e relacionamento entre os volumes, fazendo com que o meu cérebro esteja em constante actividade. 

No meu trabalho relaciono-me com pessoas que não têm cara, porque estou constantemente a trocar emails com as mesmas. É difícil manter a capacidade de que estou a comunicar com um ser humano que tem sentimentos e não é só mais um cifrão que assim que usufruir dos meus serviços se converterá em mais dinheiro no banco. Fico por vezes apático e mecânico, repetindo sempre as mesmas respostas, as mesmas soluções.

Por filosofia das duas empresas com as quais colaboro, ficou definido que, uma vez por semana tenho que ir para o terreno e comunicar verbalmente com os nossos clientes. Aí, redescubro os factores que nos tornam, a todos, humanos: o toque, um aperto de mão, dois beijos, o riso, o interesse genuíno nas coisas que dizemos, a interacção à volta de uma mesa com comida, olhos a sorrir, sobrancelhas carregadas de novidades e surpresas...

Estas informações descodifico facilmente, até porque somos seres empáticos, que reagem a estímulos de outros seres com a mesma massa e espírito. 

Depois de um dia com pessoas, fico cada vez mais triste por ser um refém das tecnologias e saudosista dos tempos em que o convívio não tinha hora marcada. 

Por falar nisso, vou ver se encontro amigos na rua.

Ricardo Brochado

Ilustração: Dila Rodrigues

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