domingo, 28 de setembro de 2014

ESCUTAR A VIDA



Caríssimas e caríssimos,

Dois adolescentes irmãos nossos vizinhos (ela de 13 e ele de 15) iluminam-nos os corações… As suas vidas rompem o cinzento aborrecimento que parece pairar sobre tantos jovens e adolescentes. Aqueles dois irmãos são amados com ternura.

Fraternalmente,

grão de mostarda


AMADOS COM TERNURA


O olhar ilumina-se-lhes quando lhe damos a mais pequena atenção… Basta um acenar de mão ou um “olá” e um beijinho, para que os seus rostos se abram num sorriso de alegria sincera.

Ela e ele, a entrarem na adolescência, são nossos vizinhos. Vivem com o pai, dois tios (irmãos do pai) e a avó, que os cuida como uma mãe. E todos eles habitam uma casa modesta, ainda por terminar – tijolo e cimento à vista, divisões separadas por cortinas…

Tanto o pai como os tios trabalham em pequenos comércios locais. Da mãe pouco sabemos – partiu, deixando o pai e os filhos entregues ao seu cuidado. Mas aquelas duas crianças nunca perdem o sorriso. Quando os vemos, rua acima, com o pai ou com um dos tios, parecem dois pequenos pardais a brincarem um com outro. Nunca os vimos com telemóveis ou outros “acessórios” que qualquer criança hoje exibe, nunca os encontrámos sentados à mesa de um café a comer bolos e a beber sumos, nem ostentam as “roupas de marca” que nenhum aluno dispensa, quando ultrapassa o portão da escola.

Por vezes, visitamo-los. A avó mostra-se contente com o seu comportamento, expressando uma afectividade profunda pelos netos. Diríamos que tudo é simples naquela casa, mas não: tudo é modesto, parcimonioso. Mas em cada visita aquelas crianças mostram sempre felicidade, entrelaçada numa timidez própria de quem vai ganhando consciência da situação de precariedade material, relativamente às crianças com quem convivem…

Ontem voltámo-nos a encontrar. Desciam a mesma estrada, na companhia do pai, contente pelo início ano escolar dos filhos. Tratava-os com delicadeza e uma ternura de coração. E, tanto ela como ele falaram dos novos colegas e da alegria de regressarem à escola. Nunca reclamaram de, durante as férias, não terem saído da terra… 

Num dos seus livros, o irmão Roger, fundador da Comunidade de Taizé, escreveu: “Se soubéssemos até que ponto certas crianças precisam que olhemos para elas com confiança para que possam reencontrar a alegria de viver…”. E estas duas crianças experimentam esta existência.

Por vezes interrogamo-nos: porque andam sorumbáticos tantos adolescentes, enquanto “carregam” telemóveis e tablets ou quando, encostados aos muros da escola, atiram para a rua as latas vazias de Coca-cola que sofregamente bebem? Talvez estes adolescentes desconheçam, na sua própria casa, o que é serem amados com ternura… Amar com ternura “pode ser fonte de paz para toda a vida”, como sublinha o irmão Roger (1).

(1) “Deus só pode amar”, Gráfica de Coimbra, 2004

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