ITINERÁRIO DE CONFIANÇA
“Com que me apresentarei ao
Senhor, quando me reclinar perante o Deus do alto? Apresentar-me-ei diante dele
com holocaustos, com novilhos que tenham um ano? Agradará ao Senhor mil
carneiros ou dez mil rios de azeite? Pelo meu delito, entregar-lhe-ei o meu
primogénito ou o, pelo meu pecado, fruto do meu ventre?
Homem, já te expliquei o que é
bom, o que o Senhor deseja de ti: basta que respeites o direito, pratiques com
amor a misericórdia e que caminhes humildemente com o teu Deus. Como é acertado
respeitares-te a ti mesmo!” Miqueas 6, 6-8
Caríssimas e caríssimos,
a unidade entre os cristãos
“começa pela vida quotidiana de cada um de nós” (1). É este o compromisso que
desejamos assumir em gestos concretos, na ocasião em que se celebra a Semana de
Oração pela Unidade dos Cristãos, iniciada há mais de um século (2).
Inspira-nos neste propósito o
texto bíblico do profeta Miqueias, escolhido como tema deste oitavário pela
unidade dos cristãos: o projecto de Deus para a Humanidade é a felicidade,
somente possível pela bondade de coração e a prática da justiça (3). No nosso
coração, compreendemos que este deverá ser o cuidado que unirá os cristãos,
para que se torne realidade o apelo de Jesus: “Sereis minhas testemunhas”
(Actos 1, 8).
O irmão Aloïs, prior da
comunidade de Taizé, a propósito desta passagem do livro do Actos dos
Apóstolos, escreve: “Estas palavras de Cristo ressuscitado comportam, hoje,
para nós, um convite a uma profunda mudança de coração. Como poderemos nós, que
somos cristãos, ser testemunhas deste Cristo que ‘destruiu o muro de separação’
entre os homens, se permanecemos divididos entre nós?” (4).
Num momento de tribulação e de
grandes injustiças para o povo, o profeta Miqueias não hesitou em ser
testemunha; perante situações angustiantes escolheu o caminho da esperança…
(5). Saberemos nós, no tempo presente, aceitar fazer uma reflexão profunda do
conteúdo das palavras de Miqueias? E depois, em comunhão, teremos a audácia do
irmão Roger, que a si mesmo colocou esta questão: “Como poderá a Igreja abrir
as portas da compaixão e da bondade do coração?” (6).
Sistemas políticos e financeiros,
durante anos e anos, apoiaram-se num paradigma obsessivo de crescimento
económico. Com promessas de uma sociedade de abundância, afirmavam garantir uma
felicidade que, agora mais a descoberto, se sabe estar assente em teias
injustas e desumanizadoras, para a vida humana e o próprio planeta.
Que fazer?
O irmão Aloïs, na noite de 31 de Dezembro
passado, perante os 45 mil jovens que se reuniram no Encontro Europeu de Roma
(7), afirmou: “Se nós, cristãos, assumíssemos juntos um compromisso prioritário
pela justiça e pela paz, uma nova vitalidade do cristianismo poderia nascer: um
cristianismo humilde, que não impõe nada, mas que é sal da terra.”
Esta proposta tocou fundo nos nossos corações. E
longe de desejar retomar qualquer triunfalismo ou de criar quaisquer estruturas
paralelas (8), as palavras do irmão Aloïs despertaram o desejo de procurar
possibilidades concretas que contribuam para uma comunhão efectiva de todos os
cristãos. Uma busca feita em comum, realizada de jeito informal, mas capaz de
levar a gestos concretos de solidariedade e a abrir caminhos de confiança
mútua.
Hoje, ao nosso lado, é já
possível identificar a dor e a desesperança das vítimas dos sistemas
financeiros e políticos em nada distantes daqueles que o profeta Miqueias
denuncia (9). Ignorar os gritos dos aflitos e injustiçados é recusarmos o apelo
de Jesus: “Sereis minhas testemunhas”. Este testemunho de unidade, porém, só
ganha sentido na “vida quotidiana de cada um de nós”, como sublinha Henry
Quinson.
Com estima fraterna,
grão
de mostarda
(1) Henry Quisson,
“Moine des cités – de Wall Street aux Quartiers-Nord de Marseille”, Nouvelle
Cité, França, 2008. Versão
portuguesa: “Do champanhe aos Salmos – de Wall Street aos Bairros-Norte de
Marselha”, Paulinas, 2010
(2) Iniciada
em 1908, a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos é actualmente celebrada
em todo o mundo por cristãos de Tradição Protestante, Ortodoxa e Católica,
entre 18 e 25 de Janeiro.
(3) O
profeta Miqueias (740-700 aC) experimentou um momento histórico doloroso de
opressão estrangeira – a Assíria exigia a Israel o pagamento de vassalagem –, e
um conjunto de injustiças, por parte dos governantes de Jerusalém, que iludiam
o povo com falsas promessas de solução cultual para uma libertação imediata.
(4) Ascensão
- Sereis minhas testemunhas in “Ousar acreditar – a celebração da fé em Taizé”,
Paulinas, 2012
(5) Ver
texto bíblico de introdutório.
(6) As
divisões entre os cristãos precisam de ser curadas in “Deus só pode amar”,
Gráfica de Coimbra, 2004
(8) O
irmão Aloïs, durante a reflexão da oração da noite de 31 de Dezembro passado, em
Roma, sugeriu: “ (…) Não esperemos que o caminho da unidade esteja programado
até ao fim; antecipemos a reconciliação! Já não podemos continuar a alimentar
as separações. Por causa das nossas divisões o sal da mensagem evangélica está
a começar a perder o seu sabor.”
(9) “Ai
dos que planeiam maldades e tramam iniquidades em suas camas! Ao amanhecer
executam-nas, porque têm o poder nas suas mãos. Cobiçam terras e apoderam-se
delas; cobiçam casas e roubam-nas; oprimem os homens e as suas famílias e tomam-lhes
as usas propriedades (…). Escutai-me, chefes de Jacó, príncipes de Israel: vós
odiais a justiça e desvirtuais o direito. Edificais Sião com sangue e Jerusalém
com crimes. Os magistrados julgam por suborno, os sacerdotes pregam por salário
(…).” Ver Miqueias 2, 1-2; 3, 9-11
ITINERÁRIO DE CONFIANÇA
“Recusemos fazer separadamente o que podemos
fazer juntos. Visitemo-nos uns aos outros. Há também um desconhecimento
recíproco entre diferentes confissões cristãs. Quando o ultrapassamos
descobrimos tesouros do Evangelho nos outros.
Voltemo-nos juntos, com humildade, para Cristo,
talvez em silêncio. Escutemos juntos a sua palavra.”
Estas palavras do irmão Aloïs,
proferidas em Roma, são um convite a não desistirmos. Será possível iniciar um
ITINERÁRIO DE CONFIANÇA no nosso país, de maneira informal, como refere o prior
de Taizé: “Visitemo-nos uns aos outros…”?
O grão de mostarda,
associando-se a este apelo, deseja partilhar com os cristãos de todas as
Tradições este ITINERÁRIO DE CONFIANÇA, permitindo o encontro de quantos
desejarem descobrir “tesouros do Evangelho nos outros”. Esta atitude de
confiança tornará possível o cumprimento do desejo de Jesus: “Sereis minhas
testemunhas”.
Para procurar caminhos para este
ITINERÁRIO o grão de mostarda disponibiliza o espaço da
comunidade em Forjães (Esposende) para o encontro de todas e todos que
desejarem iniciar esta caminhada. E para permitir uma participação mais ampla,
disponibilizamo-nos para encontros no âmbito geográfico das respectivas
comunidades.
A esta iniciativa podem
associar-se não apenas cristãos, mas todas e todos que, não partilhando o
projecto de Jesus, procuram o bem da Humanidade.
Contactos: graodemostardacomunidade@gmail.com
Telfs.: 253193543 ou 965336325
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