Caríssimas e caríssimos,
ontem terminou o
sofrimento, desnecessário, de Christelle Nangnou, que fugira dos Camarões por ser lésbica e se
encontrava retida há 23 dias no aeroporto de Barajas, em Madrid. Perseguida no
seu país, cuja legislação condena a homossexualidade com penas de prisão que
vão dos seis meses aos cinco anos, chegou a ser forçada e violentada
fisicamente pelas autoridades espanholas, por quatro vezes, para ser
extraditada.
De acordo com a ONG
Human Rights Watch, os Camarões tendem a retirar direitos elementares aos
cidadãos acusados de homossexualidade. E vários relatos dão conta de
tortura às mãos das autoridades e de violência dirigida a homossexuais no país
Christelle.
O Tribunal Europeu dos
Direitos Humanos, no passado dia 7, proibiu a deportação de Nangnou e deu hoje
para que Nangnou apresente provas de que estava a ser perseguida nos Camarões
pela sua orientação sexual. A jovem já apresentou às autoridades espanholas o
recorte de um jornal do seu país em que é apresentada como a “a líder de um
grupo de lésbicas", e no qual se faz referência à oferta de uma recompensa
pela captura de Nangnou. (*)
Nesta semana, Ricardo
Brochado conduz-nos justamente ao “mundo dos preconceitos”. Movidos por um
receio inconsciente de um descalabro social, o desencanto ético que vivemos, a
nível social, cultural e político, pode levar-nos coletivamente a admitir a
retirada de liberdade de consciência e de direitos humanos… A atitude
desrespeitadora das autoridades espanholas, diante das razões da fuga de
Christelle Nangnou ganhou importância somente devido ao apelo mediático. Outras
situações de preconceito, como as que a reflexão do ESCUTAR A VIDA nos relata,
vão-se sucedendo no silêncio do quotidiano e na vergonha individual de quem é
vítima.
Fraternalmente,
grão de mostarda
OS PRECONCEITOS DA NOSSA INCONSCIÊNCIA
Em Julho do ano passado decidi deixar crescer
uma farta barba e tive, sempre, à minha volta pessoas que me apoiaram e outras
que me tentaram dissuadir. Por questões estéticas, por não estarem habituadas,
por acharem que poderia parecer um vagabundo, por acharem que me dá um ar mais
velho ou mais novo, as pessoas iam dando as suas opiniões. Para mim não
importavam: tenho as minhas crenças bem resolvidas dentro da cabeça. E afirmo
sempre que se fosse suposto andarmos barbeados “devíamos” nascer com uma lâmina
de barbear na mão. Entretanto, também me disseram que teria de ter
cuidado, não me fossem confundir com um terrorista, ou pior, um muçulmano...
Lamentável que tenhamos que chegar a este ponto.
Mas os
preconceitos são ultrapassáveis e devem-no ser primeiro por nós.
Há duas semanas tive um cliente, que na
conversa inicial em que nos começamos a conhecer melhor, foi respondendo a
algumas perguntas. Se era casado, se tinha filhos, se tinha namorada. E aqui
ele torceu o nariz e disse-me: “É complicado.” Imediatamente, sem pensar,
respondi: “És gay? Isso para mim não é complicado, nem para a maioria das
pessoas do Porto. Mas há pessoas néscias em todo o lado.”
Todavia, achei útil acrescentar que o
problema estava na cabeça dele e que só tinha que ter as coisas bem resolvidas e ser confiante. Disse-me que nunca
tinha pensado nas coisas segundo este ponto de vista.
Ontem acompanhei dois clientes do mesmo país,
ela ruiva e branquinha e ele muçulmano indiano. Faziam um casal inter-racial
bonito. Num qualquer aeroporto foram interpelados pelas autoridades locais e
ele foi indicado para um interrogatório e ela não. Disseram que estavam juntos,
ela começou a chorar e a argumentar que ele só era conduzido para o
interrogatório por ser de cor diferente. Ele, porém, só lhe respondeu: “Não te
preocupes, há pessoas estúpidas em todo o lado. Eu sei o que sou e não fiz nada
de mal.”
Ricardo
Brochado
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