domingo, 19 de abril de 2015

ESCUTAR A VIDA



Caríssimas e caríssimos,

ontem terminou o sofrimento, desnecessário, de Christelle Nangnou, que fugira dos Camarões por ser lésbica e se encontrava retida há 23 dias no aeroporto de Barajas, em Madrid. Perseguida no seu país, cuja legislação condena a homossexualidade com penas de prisão que vão dos seis meses aos cinco anos, chegou a ser forçada e violentada fisicamente pelas autoridades espanholas, por quatro vezes, para ser extraditada.

De acordo com a ONG Human Rights Watch, os Camarões tendem a retirar direitos elementares aos cidadãos acusados de homossexualidade. E vários relatos dão conta de tortura às mãos das autoridades e de violência dirigida a homossexuais no país Christelle.

O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, no passado dia 7, proibiu a deportação de Nangnou e deu hoje para que Nangnou apresente provas de que estava a ser perseguida nos Camarões pela sua orientação sexual. A jovem já apresentou às autoridades espanholas o recorte de um jornal do seu país em que é apresentada como a “a líder de um grupo de lésbicas", e no qual se faz referência à oferta de uma recompensa pela captura de Nangnou. (*)

Nesta semana, Ricardo Brochado conduz-nos justamente ao “mundo dos preconceitos”. Movidos por um receio inconsciente de um descalabro social, o desencanto ético que vivemos, a nível social, cultural e político, pode levar-nos coletivamente a admitir a retirada de liberdade de consciência e de direitos humanos… A atitude desrespeitadora das autoridades espanholas, diante das razões da fuga de Christelle Nangnou ganhou importância somente devido ao apelo mediático. Outras situações de preconceito, como as que a reflexão do ESCUTAR A VIDA nos relata, vão-se sucedendo no silêncio do quotidiano e na vergonha individual de quem é vítima.

Fraternalmente,
grão de mostarda


OS PRECONCEITOS DA NOSSA INCONSCIÊNCIA


Os preconceitos, antes de existirem na cabeça das pessoas que nos rodeiam, estão no nosso íntimo.

Em Julho do ano passado decidi deixar crescer uma farta barba e tive, sempre, à minha volta pessoas que me apoiaram e outras que me tentaram dissuadir. Por questões estéticas, por não estarem habituadas, por acharem que poderia parecer um vagabundo, por acharem que me dá um ar mais velho ou mais novo, as pessoas iam dando as suas opiniões. Para mim não importavam: tenho as minhas crenças bem resolvidas dentro da cabeça. E afirmo sempre que se fosse suposto andarmos barbeados “devíamos” nascer com uma lâmina de barbear na  mão. Entretanto, também me disseram que teria de ter cuidado, não me fossem confundir com um terrorista, ou pior, um muçulmano... Lamentável que tenhamos que chegar a este ponto. 

Mas os preconceitos são ultrapassáveis e devem-no ser primeiro por nós.

Há duas semanas tive um cliente, que na conversa inicial em que nos começamos a conhecer melhor, foi respondendo a algumas perguntas. Se era casado, se tinha filhos, se tinha namorada. E aqui ele torceu o nariz e disse-me: “É complicado.” Imediatamente, sem pensar, respondi: “És gay? Isso para mim não é complicado, nem para a maioria das pessoas do Porto. Mas há pessoas néscias em todo o lado.”

Todavia, achei útil acrescentar que o problema estava na cabeça dele e que só tinha que ter as coisas bem resolvidas e ser confiante. Disse-me que nunca tinha pensado nas coisas segundo este ponto de vista.

Ontem acompanhei dois clientes do mesmo país, ela ruiva e branquinha e ele muçulmano indiano. Faziam um casal inter-racial bonito. Num qualquer aeroporto foram interpelados pelas autoridades locais e ele foi indicado para um interrogatório e ela não. Disseram que estavam juntos, ela começou a chorar e a argumentar que ele só era conduzido para o interrogatório por ser de cor diferente. Ele, porém, só lhe respondeu: “Não te preocupes, há pessoas estúpidas em todo o lado. Eu sei o que sou e não fiz nada de mal.”

Ricardo Brochado




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