segunda-feira, 23 de abril de 2012

ESCUTAR A VIDA


Caríssimos e caríssimos,
num tempo que não nos deve deixar paralisados com as situações de ruptura e desespero para tantas pessoas, Adérito Marcos na reflexão de ESCUTAR A VIDA (ver ANEXO) reconstitui-nos, através de experiência pessoal, o tempo de uma fraternidade de proximidade.
A bem-aventurança, proposta por Jesus – “bem-aventurados os pobres em espírito” – constitui o “sinal” do qual Adérito Marcos aqui faz eco: a “pobreza em espírito, enquanto ausência de cobiça (de acumulação, consumo desenfreado, ostentação) é um lugar de revelação”. Pois, só a gratuidade nos abre ao Reino, convocando-nos a uma solidariedade inventiva, como anota Adérito Marcos: “ainda que apenas num pequeno cantinho do nosso bairro. E a alegria terá condições para voltar a encher-nos os corações”.
Com estima fraterna,
grão de mostarda




Da alegria na pobreza










 A pobreza em espírito, enquanto ausência de cobiça (de acumulação, consumo desenfreado, ostentação) é um lugar de revelação, de encontro com o Espírito.




 Vivi a maior parte da minha infância e adolescência numa aldeia pobre do interior transmontano, onde a luz elétrica tinha sido uma realidade apenas recente e o saneamento básico e a água corrente uma promessa cumprida quase vinte anos depois da “revolução dos cravos”. Alojados numa casinha de pedra, sem casa de banho, o vento e a chuva insinuavam-se pelo telhado e paredes e, em certas manhãs de inverno, chegamos a acordar com uma camada de neve a cobrir as camas e os parcos móveis localizados no sobrado de madeira que constituía o “1º andar” da casinha.
Hoje, passados tantos anos, quando a família e alguns amigos se reúne e falamos desses tempos, acabamos paradoxalmente com saudades, não certamente do desconforto e das privações, mas dos momentos de convívio, festa e partilha do pouco que tínhamos entre as várias famílias … porque eram momentos de muita e sincera alegria.
Com o avançar da vida e dos muitos afazeres em que nos afundamos no nosso acelerado quotidiano da grande cidade, e vejo-me a analisar o que terá ficado pelo caminho.
Recentemente veio-me parar às mãos um texto de Adolfo Chércoles sobre as bem-aventuranças (1).
E qual o meu espanto, quando acabei descobrindo o óbvio: a alegria que Jesus garante aos “pobres em espírito”, tornando-os viventes no Reino de Deus era já, em grande medida, aquela alegria que vivenciávamos na pobreza, porque ninguém tinha nada de relevante de bem material para salvaguardar (e com que se preocupar!), e partilhávamos o que tínhamos, sem presunção ou sobranceria.
De facto a pobreza abre-nos à gratuitidade, porque quando partilhamos é o pouco que temos, nada se esperando do outro que menos ou tão pouco tem que nós para retribuir. As relações humanas na pobreza sincera em espírito acontecem em igualdade social, proporcionando condições para uma verdadeira fraternidade. 
E a gratuitidade abre-nos a Deus, ao seu Reino, tornamo-nos seus obreiros. A pobreza em espírito, enquanto ausência de cobiça (de acumulação, consumo desenfreado, ostentação) é um lugar de revelação, de encontro com o Espírito. Jesus fala-nos que devemos dar gratuitamente: “Quando deres um banquete chama os pobres, os aleijados, os coxos, os cegos e serás ditoso porque não te podem corresponder. Serás recompensado na ressurreição dos justos” (4).
Então o que fazer para voltarmos à vivência da alegria desses tempos? Desconfio que o caminho, seja ele qual for, passa pela primeira bem-aventurança. Recuperar a simplicidade de espírito e o despreendimento das coisas materiais, reaprendendo a partilha com gratuitidade em fraternidade sincera. Aí estaremos a construir as bases para que o Reino de Deus aconteça, ainda que apenas num pequeno cantinho do nosso bairro. E a alegria terá condições para voltar a encher-nos os corações.
 (1) A. Chércoles, “As bem-aventuranças”, trad. Grão de Mostarda ;  (2) João (1, 46); (3) Lucas (4, 29); (4) Lucas (14, 12-14)

Adérito Marcos
44 anos,  irmão leigo membro da Paróquia S. Tomé, da Igreja Lusitana Católica Apostólica Evangélica – Comunhão Anglicana, Castanheira do Ribatejo; membro do grão de mostarda.
Contato: aderito.marcos@gmail.com

•Ilustração: Ícone Bizantino, Sermão da Montanha


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