sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

SINAIS DE ESPERANÇA


Caríssimas e caríssimos,

Na primeira carta deste ano, Luísa Alvim faz eco do documento Vencer a crise e construir Portugal, na justiça e na solidariedade elaborado, em Novembro passado, pela Comissão Nacional de Justiça e Paz (organismo da Igreja Católica). Naquele texto (ver ANEXO)  recorda-se: “Os tempos de crise por vezes transportam a tentação de concentrar as atenções em aspetos instrumentais, preterindo os verdadeiros objetivos da economia e do desenvolvimento: a justiça, a solidariedade e o bem comum”.

E é a partir daquela reflexão que Luísa Alvim se interroga pelos critérios que orientarão as opções pessoais no momento presente – “sermos audazes na forma como re-organizarmos a sociedade na ajuda ao próximo e a na forma como encaramos a justiça social”. Até porque, se Jesus nos apresenta “um reino onde se caminha sobre as águas, onde se multiplica o pão, porque não podemos ser para as comunidades em que vivemos, a abundância profética?”.
Fraternalmente,
grão de mostarda

Luísa Alvim, cristã empenhada na paróquia católica de S. Victor, em Braga – os seus “diários” da catequese no Facebook constituem verdadeiras parábolas sobre o Amor Infinito --, é também membro do Metanoia – movimento de profissionais católicos. Técnica superior (área de Biblioteca e Documentação), na Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão – actualmente a trabalhar na Casa de Camilo - Museu e Centro e Estudos –, diz-se uma “sonhadora do impossível”.
Valentim Gonçalves é pároco da comunidade católica de S. Pedro do Prior Velho, desde a sua constituição como paróquia, em Outubro de 1999. Porém, a população do Prior Velho (concelho de Loures) já conhece este missionário do Verbo Divino desde há duas décadas, quando começou a empenhar-se no serviço aos moradores da Quinta da Serra – bairro ilegal, constituído maioritariamente por imigrantes africanos. Vice-provincial da sua congregação e membro da Comissão de Justiça e Paz dos Institutos Religiosos, ainda desenvolve trabalho na antiga Quinta do Mocho (actual Terraços da Ponte, em Sacavém), igualmente habitado por uma imensa população de imigrantes africanos.



Viva caríssimo Valentim,

                No primeiro dia do ano, aqui estou eu a escrever esta carta com um coração que não se cansa de ter esperança nos homens e nas mulheres que permitem com a sua ação superar a atual crise económica e social, acreditando que cada um pode deflagrar a busca pela organização social mais justa.
                Faço votos para que junto da tua comunidade possas, como desejavas na tua última carta, ser agente transformador, um irmão, a porta que conduz ao acolhimento, e eu desejo ainda que sejas o território que todos entendam e que sejas a abundância evangélica. Jesus apresenta-nos um reino onde se caminha sobre as águas, onde se multiplica o pão, porque não podemos ser para as comunidades em que vivemos, a abundância profética?
                A Comissão Nacional Justiça e Paz (CNJP) (1), em novembro de 2011, publicou o documento intitulado Vencer a crise e construir Portugal, na justiça e na solidariedade (2), que acabo de ler e nos interpela com esta de afirmação inicial:
“Os tempos de crise por vezes transportam a tentação de concentrar as atenções em aspetos instrumentais, preterindo os verdadeiros objetivos da economia e do desenvolvimento: a justiça, a solidariedade e o bem comum. Importa, por isso, afirmar que é em situações mais graves que esses critérios se tornam mais necessários.” Assim a CNJP desafia-nos a uma reflexão mais profunda sobre a sociedade contemporânea, a ultrapassar o assistencialismo, que tanto a Igreja Católica aprecia, e a exigir outra postura perante os modelos de produção e distribuição da riqueza e de conceção do trabalho que assentam na injustiça. Assim, a justiça, a solidariedade e o bem comum são critérios essenciais para construção do futuro.
                A doutrina social da Igreja consagra a necessidade da existência do pleno emprego, não só na quantidade mas na qualidade e na realização profissional de cada trabalhador, conjugado com a questão da co-responsabilidade e de partilha social dos meios de produção. Que esforço têm feito os católicos para transformar o sistema económico, tanto em teoria como em experiências no terreno, tendo em conta o nível básico ou mais global em que cada um pode interferir?
                Cabe a cada um de nós pode intervir a nível básico, de vizinhança, familiar ou no local de trabalho, até ao mais global, em associações, empresas ou em instituições nacionais. Referias que para além das doações que podemos fazer, por exemplo ao Banco Alimentar, teremos que construir uma outra ação social e uma outra forma de intervenção nas estruturas sociopolíticas.
                 A Comissão chama atenção à Igreja de que tem que reconverter os modelos assistencialistas paternalistas que habitualmente nos apresenta, de modo a valorizar cada pessoa, família e instituição local a ter um desenvolvimento sustentável e digno. Trabalharmos para não criar pessoas/instituições dependentes de subsídios e de caridade, sermos audazes na forma como re-organizarmos a sociedade na ajuda ao próximo e a na forma como encaramos a justiça social. Isto compromete-me a sair dos esquemas normalizados de ajuda dentro da Igreja e com inovação procurar outros modelos não demagógicos de ajuda aos mais carenciados.
                A CNJP propõe-se trabalhar e posicionar-se com os meios que tem ao seu dispor para intervir politicamente e assumir a questão do “emprego” como prioritária. Este é um grande desafio para 2012 para também exercermos a nossa intervenção na sociedade. No que me é permitido intervir, enquanto funcionária pública num município e júri de concursos públicos, exijo que os procedimentos concursais sejam claros, transparentes e justos, tarefa que não é fácil e me faz reclamar e lutar pela justiça constantemente. Enquanto profissional é importante lutar pela dignificação do nosso e do trabalho dos outros, de forma que não seja desvalorizado e seja muito mais do que um fator de produção.
                Hoje, a iniciar este ano, temos que dar graças pelo trabalho que temos e desejarmos a procura de sentido para a vida dos outros que não têm trabalho e que brevemente se criem condições para o obterem.

Abraço fraterno,
Luísa Alvim, que deseja que a crise seja vencida pelo trabalho evangélico






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