Caríssimos e caríssimos,
num tempo
que não nos deve deixar paralisados com as situações de ruptura e desespero
para tantas pessoas, Adérito Marcos na reflexão de ESCUTAR A VIDA (ver ANEXO) reconstitui-nos,
através de experiência pessoal, o tempo de uma fraternidade de proximidade.
A
bem-aventurança, proposta por Jesus – “bem-aventurados os pobres em espírito” –
constitui o “sinal” do qual Adérito Marcos aqui faz eco: a “pobreza em espírito, enquanto
ausência de cobiça (de acumulação, consumo desenfreado, ostentação) é um lugar
de revelação”. Pois, só a gratuidade nos abre ao Reino, convocando-nos a uma solidariedade inventiva, como anota Adérito
Marcos: “ainda que apenas num pequeno
cantinho do nosso bairro. E a alegria terá condições para voltar a encher-nos
os corações”.
Com estima fraterna,
grão de mostarda
Da alegria na pobreza
A pobreza em espírito, enquanto ausência de
cobiça (de acumulação, consumo desenfreado, ostentação) é um lugar de
revelação, de encontro com o Espírito.
Vivi a maior parte da minha infância e adolescência
numa aldeia pobre do interior transmontano, onde a luz
elétrica tinha sido uma realidade apenas recente e o saneamento básico e a água
corrente uma promessa cumprida quase vinte anos depois da “revolução dos
cravos”. Alojados numa casinha de pedra, sem casa de banho, o vento e a chuva
insinuavam-se pelo telhado e paredes e, em certas manhãs de inverno, chegamos a
acordar com uma camada de neve a cobrir as camas e os parcos móveis localizados
no sobrado de madeira que constituía o “1º andar” da casinha.
Hoje, passados tantos anos, quando a família e
alguns amigos se reúne e falamos desses tempos, acabamos paradoxalmente com
saudades, não certamente do desconforto e das privações, mas dos momentos de
convívio, festa e partilha do pouco que tínhamos entre as várias famílias …
porque eram momentos de muita e sincera alegria.
Com o avançar da vida e dos muitos afazeres em que
nos afundamos no nosso acelerado quotidiano da grande cidade, e vejo-me a
analisar o que terá ficado pelo caminho.
Recentemente veio-me parar às mãos um texto de
Adolfo Chércoles sobre as bem-aventuranças (1).
E qual o meu espanto, quando acabei descobrindo o
óbvio: a alegria que Jesus garante aos “pobres em espírito”, tornando-os
viventes no Reino de Deus era já, em grande medida, aquela alegria que
vivenciávamos na pobreza, porque ninguém tinha nada de relevante de bem material
para salvaguardar (e com que se preocupar!), e partilhávamos o que tínhamos,
sem presunção ou sobranceria.
De facto a pobreza abre-nos à gratuitidade,
porque quando partilhamos é o pouco que temos, nada se esperando do outro que
menos ou tão pouco tem que nós para retribuir. As relações humanas na pobreza
sincera em espírito acontecem em igualdade social, proporcionando condições
para uma verdadeira fraternidade.
E a gratuitidade abre-nos a Deus, ao seu Reino,
tornamo-nos seus obreiros. A pobreza em espírito, enquanto ausência de cobiça
(de acumulação, consumo desenfreado, ostentação) é um lugar de revelação, de
encontro com o Espírito. Jesus fala-nos que devemos dar gratuitamente: “Quando deres um banquete chama os pobres,
os aleijados, os coxos, os cegos e serás ditoso porque não te podem
corresponder. Serás recompensado na ressurreição dos justos” (4).
Então o que fazer para voltarmos à vivência da
alegria desses tempos? Desconfio que o caminho, seja ele qual for, passa pela
primeira bem-aventurança. Recuperar a simplicidade de espírito e o
despreendimento das coisas materiais, reaprendendo a partilha com gratuitidade
em fraternidade sincera. Aí estaremos a construir as bases para que o Reino de
Deus aconteça, ainda que apenas num pequeno cantinho do nosso bairro. E a
alegria terá condições para voltar a encher-nos os corações.
(1) A. Chércoles,
“As bem-aventuranças”, trad. Grão de Mostarda ;
(2) João (1, 46); (3) Lucas (4, 29);
(4) Lucas (14, 12-14)
Adérito
Marcos
44 anos, irmão leigo membro da Paróquia S. Tomé, da
Igreja Lusitana Católica Apostólica Evangélica – Comunhão Anglicana,
Castanheira do Ribatejo; membro do grão de mostarda.
Contato: aderito.marcos@gmail.com
•Ilustração: Ícone Bizantino, Sermão da Montanha
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