Caríssimas e caríssimos,
Como (re)construir o tempo de esperança?
Como pequeninas luzinhas na escuridão, a bondade de coração marca a diferença
na noite deste tempo que nos impõem. O exemplo de uma mulher, logo após o fim
da II Guerra Mundial, anima-nos a avançar, mesmo com poucos meios... “A bondade
de coração é um inestimável estímulo à acção”, recorda-nos o irmão Roger.
Esta reflexão de Escutar a vida, que
nos pertencia escrever no passado fim-de-semana só agora vos chega. Pedimos
desculpa. As solicitações dos vizinhos têm sido quase permanentes...
A bondade de coração: um estímulo à
acção
As três últimas reflexões de ESCUTAR A
VIDA têm um fio condutor comum: o valor da Vida. Da vida humana e da vida da
Terra, que nos acolhe, e redescobri-la no que é essencial, no seu mais profundo
sentido, numa atitude respeitosa de simplicidade e sobriedade (1).
Aqueles três textos remetem-nos para situações diversas de defesa da Vida. Na
reflexão de Olga Dias, dá-se conta de decisões de uma economia de ganância no
desmantelamento da Terra e de comportamentos desumanos recentes, levados a cabo
por interesses políticos... Nos textos de Adérito Marcos e de Paulo França
somos convidados a olhar modos generosos de viver numa modéstia digna, capaz de
ser geradora de gestos solidários, que se começam a edificar desde o ambiente
familiar.
Um futuro harmonioso para a Terra e para a
vida humana só será possível sem a ganância de uma economia enganadora, a
diversos níveis – desde a gestão dos bens da Natureza à produção alimentar; da
organização dos modelos empresariais ao sistema financeiro por que somos
dirigidos. Um futuro respeitoso pelos Direitos Humanos só se tornará realidade
a partir de decisões políticas generosas, sem dependências de interesses
financeiros.
“Actualmente grande parte da economia é
regida pelo capital financeiro, quer dizer, por aqueles papéis e derivativos
que circulam no mercado de capitais e que são negociados nas bolsas do mundo
inteiro. Trata-se de um capital virtual que não está no processo produtivo...”
Nesta realidade, retratada por teólogo Leonardo Boff (2), é que
se desenvolve um sistema financeiro onde reina a especulação: “dinheiro fazendo
dinheiro sem passar pela produção”, conclui Leonardo Boff.
Se um desejo interior não nos
impulsionar ao caminho inverso daquele que, ainda hoje, estamos a percorrer, a
Vida permanecerá?
Ainda há uma semana, em Portugal e por
toda a Europa, largos milhares de pessoas saíram à rua a exigir a
responsabilização no exercício do poder político e da banca pela situação que
se vive, ao mesmo tempo que se chamava a atenção para a urgência de uma nova
atitude perante os recursos estratégicos, por parte do domínio público... As
palavras que mais se escutaram e viram inscritas em cartazes foram as que
formulavam o direito a uma “economia social solidária”.
Economia social e solidária. Expressão que em si
mesma afirma a profundidade de consciência de quem se manifesta. De quem, por
direito, exige aos que exercem o poder público uma economia redistributiva,
apenas. Do que se trata é de um novo paradigma para a gestão do sistema
produtivo: que assuma uma função social e que não exista, tão somente, pelo
lucro, sem olhar à necessidade social do produto ou do serviço. Por outro lado,
quando se exige uma economia solidária, pede-se respeito pela Natureza e por
quantos seres humanos que não têm capacidades de participarem na criação da sua
subsistência. Este conceito está, hoje, completamente ignorado dos memorandos
dos poderes políticos, nacionais e supranacionais, como a União Europeia... Os
problemas do Ambiente e a solidariedade com os mais frágeis foram esquecidos
das agendas políticas. O discurso que se escuta é do aumento da produtividade,
a custos mínimos, sem direitos, para os trabalhadores e para a Natureza, cada
vez mais depauperados. Os humanos e os bens da Terra...
Como (re)construir o tempo da esperança?
Escutar o coração, na sua mais original sabedoria, a sabedoria da bondade.
Um tempo de esperança só se preparar e cuidar com gestos de bondade... De uma
bondade responsável. “A bondade de coração é um inestimável estímulo à acção” (3),
conclui o irmão Roger num texto em que rememora a decisão de uma das suas irmãs,
Geneviève, que após a 2ª Guerra Mundial decidiu responder ao seu apelo para, em
Taizé, cuidar de crianças que, durante aquele conflito armado, tinham
perdido as suas famílias.
Não são necessários muitos meios, muitas
das vezes, para fazer surgir gestos que marquem um novo relacionamento humano
ou uma atitude responsável para com a Natureza. “Alguns ficam surpreendidos
pela inquietude perante o futuro e sentem-se paralisados”, reconhece o irmão
Roger, realçando que “uma paz na terra prepara-se na medida em que cada um se
atreve a perguntar a si mesmo: estou disposto a buscar a paz interior, a
avançar desinteressadamente? Inclusivamente sem nada, posso ser fermento de
confiança onde vivo, com uma compreensão pelos outros que crescerá cada vez
mais?”.
Fixemos o olhar em Geneviève que, na
precariedade de um quotidiano de pós-guerra, se atreveu a mudar de vida – na
Suíça, era pianista com formação académica – para permitir um “tempo de
confiança” àquelas crianças...
Como pequeninas luzinhas na escuridão, a
bondade de coração marca a diferença na noite deste tempo que nos impõem.
Com estima fraterna,
grão
de mostarda
(1) Os textos de Adérito Marcos (23/4) e Olga Dias (29/4) e Paulo
França (5/5) podem ser consultado em: http://www.facebook.com/profile.php?id=100000302334921
(2) http://leonardoboff.wordpress.com/page/3/
(3) “La paz empieza en nosotros mismos” in Presientes una felicidad? (PPC, Madrid, 2006)
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