domingo, 15 de março de 2015

ESCUTAR A VIDA



Caríssimas e caríssimos,
há já alguns anos, Ricardo Brochado teve a ousadia de preservar um conjunto bibliográfico, com exemplares com mais de um século, e que, então, iria ser destruído…
Ainda em Fevereiro todos ficámos consternados perante a destruição de peças do Museu de de Mossul (Iraque), datadas entre os séculos VIII e VII a.C., bem como da eliminação de vestígios de Nimrud, no passado dia 5. Fundada no século XIII a.C. era uma das raras jóias da cultura assíria…
O património da Humanidade – material e imaterial – tem sido ciclicamente devastado por obscuros “tempos de morte”. É como retirar a um corpo um pedaço da sua essência. Preservar é permitirmo-nos estar atentos: o futuro é construído pelo agora e Ricardo Brochado compreendeu, e empenhou-se, nessa tarefa de humanidade, iluminadora das nossas vidas individuais e da história comum de todas e todos nós. Hoje o seu gesto de há anos permitiu que alguém, do outro lado do mar, desse continuidade a uma investigação em favor da Humanidade…
Fraternalmente,
grão de mostarda


O futuro construído no agora…


No princípio do milénio corrente, passava numa das ruas do Porto quando me deparei com uma carrinha de caixa aberta carregada de sacos do lixo. Aproximei-me e percepcionei que dentro dos sacos se encontravam livros. Intrigado constatei que se tratava de livros do século XIX.

Falei com os homens que estavam a carregar o veículo e fui informado que tinham sido mandatários pelo dono de uma galeria de arte, ali vizinha, que se desfizessem daquilo. Um deles, humilde mas mais informado que o “taliban” do patrão, sugeriu que se chamasse um dos alfarrabistas da rua ao lado ao que lhe responderam: “Vai tudo para o lixo, nem para a reciclagem.” 

Perguntei se podia levar um saco ao que me disseram que até os podia levar todos. Assim fiz e levei para casa 3500 amigos das mais variadas temáticas, na sua maioria com mais de cem anos.

Esta semana recebi um email de um doutorando em tradução brasileiro, que me perguntava por um desses livros que necessitava para os seus estudos e não encontrava em lado nenhum. Eu tinha três cópias e cedi-lhe uma. Explicou-me que aquele livro o ia ajudar imenso no aperfeiçoamento do estudo do processo de tradução ao longo dos tempos. Fiquei feliz.

A cultura que o ser humano foi criando ao longo dos tempos vai sendo aperfeiçoada com todos os contributos de uma comunidade distribuída pelo tempo. É pena que pessoas, como o proprietário de uma galeria de arte bem como terroristas que destroem preciosos vestígios da nossa cultura, não estejam no mesmo comprimento de onda que o resto da Humanidade.

Ricardo Brochado


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