sábado, 16 de junho de 2012

DE QUE MUNDO SOMOS?


Caríssimas e caríssimos,

Na carta de Luísa Alvim escutamos palavras desconcertantes e interpeladoras: “Precisamos de treinar a nossa voz para fazer ouvir a voz do Céu na Terra”. Desconcertantes num ambiente de banalidade com que parece desejar-se tornar o quotidiano e interpeladoras porque são proclamadas a partir de uma fé assumida como “um passo efectivo em ordem à multiplicação da Vida”.

Esta é a última carta De que mundo somos? trocada entre a Luísa Alvim e o pe. Valentim Gonçalves, antes do encontro que os reunirá, a 7 de Julho (sábado), em Forjães (Esposende), na casa do grão de mostarda, e cujo programa pode ser consultado no Facebook em EVENTOS.

Fraternalmente,

grão de mostarda


Caríssimo Valentim,

Da tua última carta, percebo uma intensa necessidade de explicar a ação humana, no mundo confuso em que vivemos, pelo radiar da vida cruzada com a eternidade, com aquilo que vem do alto. O Céu e a Terra, que o nosso Pai tanto nos oferece, em harmonia conjunta, num equilíbrio sábio que muitos de nós procuram.

Todos os que buscam Deus descobrem o sentido e preservação da humanidade, de modo que é importante fazer sobreviver a solidariedade, a justiça social, um mundo verde, ultrapassando as ameaças do dinheiro, do poder, do egoísmo, do ter, das leis racionais e desumanas, que recusas com veemência.

Precisamos de mostrar ao mundo que as realidades espirituais são a força de transformação, que o rezar e a ligação ao transcendente não é inútil, e no dizer do José Mattoso, o “levantar o céu”[i], que é um gesto insignificante, é um passo efectivo em ordem à multiplicação da Vida, sem separar o racional e o emocional, o explicável e o misterioso, associando a bondade e a beleza da terra, a simplicidade, a comoção pela pobreza do próximo, mantendo a surpresa diária dos encontros com Jesus, podemos então acreditar que com esperança e fé vale a pena levantar quem nos rodeia e restaurar a consciência da responsabilidade individual na intervenção no mundo.

Precisamos de treinar a nossa voz para fazer ouvir a voz do Céu na Terra, sermos cidadãos implicados nos movimentos políticos e nos movimentos eclesiais, ter uma palavra evangélica coerente com a acção social em contacto contínuo com pessoas tocadas por todo o tipo de pobreza. 

Oxalá a história de vida de cada um de nós seja este aproximar à vida do outro, porque só assim é que podemos instaurar o Céu na Terra, o espiritual no universo, e despertar o que de Deus existe em cada ser humano.

Os católicos assumem e defendem que têm um programa evangélico para intervir na sociedade, mas a Igreja de Roma e a sua doutrina é um poder cada vez mais injustificado que não move o quotidiano dos cidadãos crentes e dos não crentes. 

Quem muda a sociedade são os não indiferentes, que individualmente, e em pequenas comunidades, são chamados a descobrir o essencial da vida e a dão rezando. Quem acredita na força do Pai-nosso, das palavras que mudam, do Cristo ecológico, que transforma o ambiente social. Todos aqueles que brilham a luz sobre a terra e lhe dão a dimensão divina:

“Assim brilhe a vossa luz diante dos homens, de modo que, vendo as vossas boas obras, glorifiquem o vosso Pai, que está no Céu.”[ii], 

Abraço fraterno,

Luísa Alvim, que acredita que podemos intervir no universo a “levantar o céu”.



[i] In Levantar o céu: os labirintos da sabedoria” de José Mattoso. Temas e Debates, 2012
[ii] Mateus 5, 16

Ilustração: Guernica, de Pablo Picasso


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