Caríssimas e
caríssimos,
Na carta
de Luísa Alvim escutamos palavras desconcertantes e interpeladoras: “Precisamos
de treinar a nossa voz para fazer ouvir a voz do Céu na Terra”. Desconcertantes
num ambiente de banalidade com que parece desejar-se tornar o quotidiano e
interpeladoras porque são proclamadas a partir de uma fé assumida como “um
passo efectivo em ordem à multiplicação da Vida”.
Esta é a
última carta De que mundo somos? trocada entre a Luísa Alvim e o pe. Valentim
Gonçalves, antes do encontro que os reunirá, a 7 de Julho (sábado), em Forjães
(Esposende), na casa do grão de mostarda, e cujo programa pode ser
consultado no Facebook em EVENTOS.
Fraternalmente,
grão de mostarda
Caríssimo
Valentim,
Da tua última
carta, percebo uma intensa necessidade de explicar a ação humana, no mundo
confuso em que vivemos, pelo radiar da vida cruzada com a eternidade, com
aquilo que vem do alto. O Céu e a Terra, que o nosso Pai tanto nos oferece, em
harmonia conjunta, num equilíbrio sábio que muitos de nós procuram.
Todos os que
buscam Deus descobrem o sentido e preservação da humanidade, de modo que é
importante fazer sobreviver a solidariedade, a justiça social, um mundo verde,
ultrapassando as ameaças do dinheiro, do poder, do egoísmo, do ter, das leis
racionais e desumanas, que recusas com veemência.
Precisamos de
mostrar ao mundo que as realidades espirituais são a força de transformação,
que o rezar e a ligação ao transcendente não é inútil, e no dizer do José
Mattoso, o “levantar o céu”[i], que é um gesto insignificante, é um passo
efectivo em ordem à multiplicação da Vida, sem separar o racional e o
emocional, o explicável e o misterioso, associando a bondade e a beleza da
terra, a simplicidade, a comoção pela pobreza do próximo, mantendo a surpresa
diária dos encontros com Jesus, podemos então acreditar que com esperança e fé
vale a pena levantar quem nos rodeia e restaurar a consciência da
responsabilidade individual na intervenção no mundo.
Precisamos de
treinar a nossa voz para fazer ouvir a voz do Céu na Terra, sermos cidadãos
implicados nos movimentos políticos e nos movimentos eclesiais, ter uma palavra
evangélica coerente com a acção social em contacto contínuo com pessoas tocadas
por todo o tipo de pobreza.
Oxalá a
história de vida de cada um de nós seja este aproximar à vida do outro, porque
só assim é que podemos instaurar o Céu na Terra, o espiritual no universo, e
despertar o que de Deus existe em cada ser humano.
Os católicos
assumem e defendem que têm um programa evangélico para intervir na sociedade,
mas a Igreja de Roma e a sua doutrina é um poder cada vez mais injustificado
que não move o quotidiano dos cidadãos crentes e dos não crentes.
Quem muda a
sociedade são os não indiferentes, que individualmente, e em pequenas comunidades,
são chamados a descobrir o essencial da vida e a dão rezando. Quem acredita na
força do Pai-nosso, das palavras que mudam, do Cristo ecológico, que transforma
o ambiente social. Todos aqueles que brilham a luz sobre a terra e lhe dão a
dimensão divina:
“Assim brilhe
a vossa luz diante dos homens, de modo que, vendo as vossas boas obras,
glorifiquem o vosso Pai, que está no Céu.”[ii],
Abraço
fraterno,
Luísa Alvim,
que acredita que podemos intervir no universo a “levantar o céu”.
[i] In
Levantar o céu: os labirintos da sabedoria” de José Mattoso. Temas e Debates,
2012
[ii] Mateus
5, 16
Ilustração:
Guernica, de Pablo Picasso
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