sábado, 30 de junho de 2012

DE QUE MUNDO SOMOS?


Caríssimas e caríssimos,

De que mundo somos? Todos os dias o coração nos coloca esta questão, quer seja a propósito de decisões pessoais ou de situações experimentadas colectivamente. E a partir dela, durante um ano, Luísa Alvim e Valentim Gonçalves aceitaram o convite do grão de mostarda de a refletir juntos, em jeito de cartas. E num momento do mundo, e do país, em que se nos colocam interrogações a sistemas que tínhamos como adquiridos, a nível social, político, financeiro e mesmo religioso, as cartas de Luísa Alvim e de Valentim Gonçalves constituíram, na verdade, janelas de esperança... Outras cartas surgirão, a partir de Outubro.

Hoje, escrevemos a carta (ver ANEXO) que encerra este arco daquelas reflexões, e que culminará num encontro-diálogo com a Luísa Alvim e o Valentim Gonçalves no próximo sábado, dia 7 de Julho. Renovamos-vos o convite (programa em ANEXO).

? Na inscrição (através de mail ou pelo Facebook), INDIQUEM DE QUANTAS PESSOAS VÊM ACOMPANHADAS/OS), PELO MENOS ATÉ AMANHÃ, DIA 1 DE JULHO. A principal razão por que solicitamos esta confirmação deve-se a uma questão prática: a confecção do almoço.

? Agradecemos ainda nos informem (até amanhã, também) SE NECESSITAM DE DORMIDA. Quer seja para a noite de 6 para 7 de Julho ou de 7 para 8 de Julho.

? A quem já se inscreveu, por mail ou Facebook (ver Eventos), MAS NÃO ENVIOU AQUELAS INDICAÇÕES, agradecemos que o façam, também até amanhã, dia 1 de Julho.

Com estima fraterna,
 
grão de mostarda



Caríssima Luísa e caríssimo Valentim,

relendo as vossas cartas De que mundo somos?, escritas entre Junho de 2011 e Junho deste ano, ecoam-nos as seguintes palavras do livro de Jeremias: “Os meus desígnios para vós são de paz e não de tribulação; quero dar-vos um futuro e uma esperança(1). Atribuindo este oráculo a Deus, o profeta dirige-o à porção do povo judeu que se encontrava no cativeiro da Babilónia.

A urgência da esperança é a convicção mais vezes manifestada nas vossas cartas. E as razões por que a expressastes conduziram-nos a Jeremias, homem atento às causas que levaram à submissão do seu povo: as palavras e os comportamentos enganosos dos próprios dirigentes, religiosos e políticos, e os interesses gananciosos de países estrangeiros. A presente perturbação social e política provocada pelo sistema financeiro, sentida em particular na Europa e, consequentemente, no nosso país – tão assiduamente reflectida nas vossas cartas –, remeteu-nos à situação vivida pelos judeus, 600 anos antes de Jesus.

Jeremias não se deixou vencer pelo desterro dos seus irmãos: “Construí casas e nelas habitai, plantai pomares e comei seus frutos, casai-vos e gerai filhos e filhas...” (2). Nunca se submeteu ao desânimo, apelando sempre a uma atitude de perseverança. E por isso anunciou: “Deus quer dar-vos um futuro e uma esperança”. Também, das vossas cartas, acolhemos idêntico apelo que, em nós ganha raízes fundas a favor de uma esperança actuante, praticada no quotidiano das incertezas no qual os diversos poderes nos querem submergir.

“Na significativa mudança de paradigma que estamos a viver e que afecta o mundo, a política, a economia e as culturas, necessitamos com urgência de uma ‘visão’ que procure vislumbrar o contorno de um mundo mais pacífico, mais justo, mais humano” (3). Recorda Hans Küng, teólogo da esperança que, no seu livro acima citado, nos previne: “A primeira coisa que necessita a pessoa, toda a pessoa, é a confiança na vida, uma confiança radical”.

Nenhum ser humano consegue sobreviver, interior e socialmente, no cepticismo e no desânimo. E, como reconhece o irmão Roger, este ambiente pode “paralisar o ser humano” (4), impossibilitando-nos de exercitar esta confiança na vida.

Mas onde ir buscar a luz e o ânimo, para que seja possível empreender uma caminhada de confiança total na vida, geradora de esperança?

As propostas de Jeremias podem constituir hoje um manual capaz de iluminar e animar uma decisão pessoal, que inevitavelmente tem de ir sendo construída e, depois, assumida no nosso interior. Sobre esta opção são elucidativas as palavras do irmão Roger: “Uma paz sobre a terra prepara-se na medida em que cada um se atreve a perguntar-se a si próprio: estou disposto a buscar a paz interior, a avançar desinteressadamente? (...) Há aqueles que são portadores de paz e de confiança onde há choques e oposições. Inclusivamente, permanecem firmes quando a prova ou o fracasso pesam sobre os ombros” (4).

É sempre necessário correr riscos, ser fermento, enquanto a nossa vida, pouco a pouco, se vai convertendo em caminho de confiança e em lugar de esperança na Vida. Nada é imediato, nas verdadeiras decisões humanas, naquelas de que resultam uma mudança profunda.

Por onde começar? Como Jeremias aponta, por decisões pessoais que, aos poucos, se alargam a outros corações, a outras vontades já despertas para “avançar desinteressadamente”, na expressão do irmão Roger (5). Em cada lugar, em cada circunstância será possível discernir razões, espaços e vontades que tornarão possíveis os sonhos de quem já procura “vislumbrar o contorno de um mundo mais pacífico, mais justo, mais humano” (3). Outras decisões poderão avançar para uma organização mais ampla, mais global com vista a exercer o direito de alterar os sistemas político-financeiros degradados e injustos pelo “novo paradigma de uma política mundial mais pacífica” (3). Pacífica, por ousar defender os mais frágeis; por ousar integrar e nunca excluir...

Reconhecemos que as decisões imediatas para alterar o actual estado de injustiças, legitimadas pela defesa de um sistema financeiro obsoleto (uma defesa levada hoje ao extremo por instâncias internacionais, como a União Europeia), assim como para impedir o mau uso dos bens da Terra, não estão nas nossas mãos, tanto a nível local como de modo mais global. Todavia, “não são apenas os responsáveis pelos países que constroem o futuro. O mais humilde dos humildes pode contribuir para um futuro de paz” (4). Estaremos disponíveis a dar passos neste sentido? A exemplo de Jeremias, estaremos decididos a assumirmo-nos anunciadores/fazedores de “um futuro e uma esperança”?

Com estima fraterna,
 
grão de mostarda




(1) Jeremias 29, 11
(2) Jeremias 29, 5
(3) Lo que yo creo (Editorial Trotta, Madrid, 2011)
(4) “La paz empieza en nosotros mismos” in  Presientes una felicidad? (PPC, Madrid, 2006)
(5) “Quem quiser seguir-me, negue-se a si mesmo, carregue a sua cruz e siga-me” (Marcos 8, 34). Jesus e os seus conterrâneos conheciam bem o que os militares exigiam aos condenados à morte por Roma: tinham de transportar sobre os ombros a trave transversal da sua cruz. Ou seja, um despojamento total da sua própria imagem... Negar-se é vencer o seu próprio egoísmo, abandonar os interesses mais pessoais, a sua própria auto-imagem, nascida do ego.



Sem comentários:

Enviar um comentário