Caríssimas e
caríssimos,
que “opções profundas” nos
devem convocar quando, na actual urgência de “dar de comer a quem tem fome”, se
nos revela “a ausência dum pensamento sobre as causas e os mecanismos geradores
de pobreza”?
Na reflexão semanal de “Escutar a
vida”, Constantino Alves sublinha que não são os gestos de altruísmo que estão
em causa (ver ANEXO).
A questão é anterior à vontade humanizadora de desejar valer a alguém: “É que
na base da fome e da miséria está um sistema económico e político que fabrica
permanentemente excluídos e injustiçados”, explicita.
A generosidade coloca-nos
exigências. Por vezes, parece mais prático, mas fácil agir sem interrogar (1).
Constantino Alves, porém, anuncia que uma sociedade solidária “implicará
corajosas atitudes na questão da partilha dos bens, do lugar da economia e do
Homem.”
Com estima fraterna,
grão
de mostarda
(1) O irmão Roger, no seu livro “Las fuentes de Taizé – Dios
nos quiere felices”, recorda-nos que umas das condições para a paz “radica na
distribuição equitativa dos bens entre todos.”
PÃO E ESPERANÇA
EM TEMPO DE NATAL
“Que os gestos de entreajuda, solidariedade e partilha se
multipliquem. A autêntica alegria das Boas
Festas está na dádiva altruísta e generosa”, lê-se na Nota do Conselho Permanente da Conferência Episcopal do
dia 11 do corrente mês. Entre quem dá e quem recebe deve desencadear-se uma
troca de afectos, caso contrário, alimenta-se a dependência e a atitude
assistencialista.
Enquanto estava
a escrever estas linhas acabo de receber um telefonema de uma empresa a
informar-me que a administração decidiu este Natal não oferecer prendas aos
clientes e atribuir um donativo à paróquia de Nª Srª da Conceição para o seu
“Restaurante social”, pois tem acompanhado pela imprensa esta obra e sente que
têm uma responsabilidade social para com os mais pobres e carenciados nestes
tempos de crise!
A temática da
acção social (“o dar de comer a quem tem
fome, vestir os nus, visitar os doentes…”), seja individual seja através de
instituições, é pertinente e de flagrante actualidade. Anote-se, a título de
exemplo, as campanhas do Banco Alimentar e os milhares de voluntários nelas
envolvidos ou o prémio dos direitos humanos atribuído à Caritas pela Assembleia
da República pela sua acção permanente em situações de emergência social.
Isto é o sinal
claro de que na sociedade portuguesa existe uma imensa generosidade e um
altruísmo impressionantes, mas convém reflectir se estes gestos nobres não
estão, por vezes, misturados em enormes ambiguidades. E uma delas é a relação
entre caridade e justiça. “É por amor a
Nossos Senhor, que eu ajudo os pobres e por caridade…”, ouve-se dizer.
Não
questionando a nobreza destas acções e o sentido com que são praticadas
transparece, todavia, muitas vezes, a ausência dum pensamento sobre as causas e
mecanismos geradores de pobreza. É que na base da fome e da miséria está um
sistema económico e político que fabrica permanentemente excluídos e
injustiçados. Parece existir um prurido em ir às fontes geradoras, talvez,
porque possa ser politicamente mais correcto não tocar no assunto, ou então,
porque se está conformado com o sistema.
Não se deve dar
por caridade aquilo que é dever de justiça, e não se deve dizer que se prefere
fazer as coisas por caridade, esquecendo a justiça. As duas devem coexistir
numa simbiose em que a caridade impulsiona para a prática da justiça.
Não damos nada
aos pobres que não lhes pertença por direito numa sociedade estruturalmente
injusta em que persistem três escândalos: a fome, o desemprego e as
desigualdades sociais. Mas também é verdade que existem certas necessidades que
a justiça, por si só, não satisfaz em plenitude, como seja a necessidade dos
afectos, o conforto dos doentes, a visita aos presos, a reconstrução interior
dum desanimado.
Saltou para a
ribalta, não inocentemente, a questão da “refundação do Estado Social” e ainda
bem, digo eu. É que temos vindo a assistir ao seu progressivo esvaziamento na
área do direito ao trabalho, na qualidade da educação, no acesso à saúde e no
apoio à velhice.
Já se chega ao
absurdo da Segurança Social solicitar à Igreja apoio para os seus utentes! No
seguimento de outras atitudes semelhantes, ainda ontem uma assistente Social me
enviou um e-mail com a ficha de um dos seus utentes, com dívidas superiores a
3000 euros a solicitar-me que eu apresentasse o caso ao Fundo Solidário da
Caritas! É a irresponsabilização do Estado face aos seus cidadãos e a tentar
fazer com que as Instituições de solidariedade sejam a sua almofada.
Vai chegar a
hora da verdade em que nos confrontaremos com opções profundas: o
desenvolvimento duma sociedade egoísta suportada por instituições e leis a
favor dos poderosos ou o relançamento duma sociedade solidária que implicará
corajosas atitudes na questão da partilha dos bens, do lugar da economia e do
homem.
Será um combate
político profundo e os cristãos terão necessariamente de repensar o modo e o
sentido com que organizam a acção socio-caritativa, por uma questão de eficiência,
mas ainda mais para não ser acusados, justamente, de favorecerem a iniquidade
institucionalizada.
Sem pão não há
esperança e o pão sem amor não tem gosto.
Constantino
Alves
Padre de
Setúbal, na paróquia católica de Nossa Senhora da Conceição
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