domingo, 30 de dezembro de 2012

ESCUTAR A VIDA




Caríssimas e caríssimos, 

partilhamos convosco a experiência vivida em comunidade neste tempo de Natal, um acontecimento de comunhão, um acontecimento de fraternidade… (ver ANEXO).

No final desta semana retoma-se as reflexões “Escutar a vida” com Emília Pinto, Paula Constantino, Henrique Scheepens e Constantino Alves – o seu “olhar a vida” entreabre-nos os corações para a amabilidade e a confiança...  

Com estima fraterna,

grão de mostarda


Luta e contemplação

“Luta e contemplação: seremos levados a situar toda a nossa vida entre estes dois pólos?” (1). Esta interrogação do irmão Roger, enquanto força impulsionadora, tem acompanhado o nosso projecto de vida, o nosso estar como vizinhos entre vizinhos… 

Pressentir este apelo é tentar, no quotidiano, responder aos vizinhos, buscando nas diversas circunstâncias estabelecer laços fraternos de comunhão. Muitas vezes não é possível chegar a todos, realizar tudo o que se considera necessário… 

Neste tempo em que celebrámos o nascimento de Jesus (2), vivemos esta experiência com duas mulheres. Uma está há meio ano numa comunidade terapêutica para tratamento de dependência de álcool. A outra vive só. Abandonou, há anos, o emprego numa empresa de restauração e hotelaria, para cuidar da mãe e de uma irmã, acamadas por doença. 

A primeira, alguns de vocês já a conhece pelo nome fictício de Leonor, por respeito à sua privacidade. A sua vinda possibilitou um reencontro com os pais. Não foi ainda possível ser acolhida por eles na sua casa… Foi possível, contudo, restabelecer o diálogo entre eles; possibilitar que se olhassem e que se abraçassem; no fundo, que deixassem transparecer o mais profundo de si próprios, expressando sentimentos há tantos anos enterrados e que, pouco a pouco, com o evoluir da caminhada da Leonor irão certamente crescer e ganhar raízes nos seus corações…  

A segunda, viveu dezenas de anos numa gestão difícil das pensões que a mãe e a irmã recebiam. Depois da morte de ambas ficou completamente desprovida de qualquer meio de sobrevivência. Há pouco mais de quatro meses, sofreu uma paralisia facial… Não tem nada de seu. Vive num pequena casa – construída pela mãe com a ajuda de vizinhos – onde o cheiro da humidade persiste mesmo durante o Verão. E por ter esta “propriedade” não lhe é concedido qualquer apoio estatal. Das limpezas que consegue fazer recebe pouco mais de 100 euros; o restante para a sua subsistência vai conseguindo do que colhe de um campo (cedido) que cultiva… 

A presença destas duas mulheres revelou-se um acontecimento de comunhão. Durante quatro dias, permitiu um encontro mais pessoal, da realidade que cada um de nós vive. E, pouco a pouco, se foi fazendo experiência de uma solidariedade fraterna, de uma escuta de corações… Nada foi indiferente: afinal todos transportamos em nós sonhos e interrogações, receios e esperanças.

Abriram-se os corações e a NOITE ficou mais iluminada. Deixámos de ser “ainda” estranhos, para passarmos a ser “mais” vizinhos entre vizinhos. Naqueles dias, a busca interior do Deus amoroso, revelado na parábola do “filho pródigo” (Lucas 15, 11-24), ganhou outra dimensão. E voltámos a escutar as palavras do irmão Roger: “Pressentes isto? Luta e contemplação têm uma única fonte: Cristo, que é amor. Se rezas, é por amor. Se lutas para dar um rosto humano ao homem explorado, é também por amor…” (1).

grão de mostarda

(1) “Viver para amar – palavras escolhidas”; Paulinas, 2010.
(2) Jesus apresenta-se em Nazaré para anunciar e cumprir uma boa notícia em favor dos pobres e da libertação dos prisioneiros. De todos os pobres e de todos os prisioneiros… (ver Lucas 4, 16-21).

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